quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Índia vista por ocidentais

Apenas a indicação de uns livros muito bons sobre a Índia na perspectiva de autores ocidentais, com as suas visões e sensações muito próprias:



Uma ideia de Índia, de Alberto Moravia, e
O cheiro da Índia, de Pier Paolo Pasolini – apontamentos sobre a viagem que os dois italianos fizeram juntos pela Índia nos anos sessenta.



Vislumbres da Índia, de Octavio Paz – nos anos cinquenta e sessenta o mexicano foi primeiro funcionário e depois embaixador do seu país na Índia.

Comboio para o Paquistão



Khushwant Singh é um autor indiano nascido em 1915 (e ainda vivo) em terras do Punjab hoje paquistanês.
O seu livro “Comboio para o Paquistão”, escrito em 1956, fala de forma brilhante e evocativa, bela mas duramente, dos momentos que se seguiram à partilha da Índia britânica em 1947, cuja forma atabalhoada geradora de incerteza conduziu não só a migrações de milhões como à morte de um sem número de pessoas.
Singh escreve logo na primeira página “Os muçulmanos diziam que tinham sido os hindus a planear e a começar a matança. Segundo os hindus, a culpa era dos muçulmanos. A verdade é que ambos os lados mataram”. A estes há ainda que acrescentar os sikhs que, tal como os outros, provocaram e foram provocados.
A cidade de Mano Majra, fronteiriça entre a Índia e o Paquistão, é palco da história, por onde passam os malditos comboios, por vezes com vivos, outras vezes com cadáveres, sempre a abarrotar.
Outro trecho “Quando vinham, estavam apinhados de refugiados sikhs e hindus vindos do Paquistão, ou muçulmanos vindos da Índia. As pessoas vinham empoleiradas nos tejadilhos com as pernas balançando na borda, ou em armações de cama apertadas entre os vagões. Algumas vinham precariamente cavalgando os amortecedores entre as carruagens.”
Uma outra passagem lindíssima escrita por este autor é a dedicada à monção, com ela “o ritmo da vida e da morte aumenta”, a de inverno “é como um aguaceiro frio numa manhã de geada, que deixa as pessoas frias e estremecendo”; a de verão “é sempre precedida por vários meses em que a terra vai ganhando sede, pelo que, quando as águas vêm finalmente, são bebidas sofregamente e com prazer”.
No meio de tanta tragédia, a leitura deste livro consegue-nos encantar e, sobretudo com o seu surpreendente e corajoso final, fazer-nos acreditar e ter esperança nos homens, ou pelo menos em alguns.

O Cinema de Johnnie To

Johnnie To, que eu desconhecia em absoluto que existia ou sequer fazia filmes, foi o que mais me surpreendeu.
Ainda por cima, os seus filmes de acção são policiais, com gangsters, armas e algumas artes marciais. Algo que à partida eu diria: não, obrigada.
Mas… o que acontece é que a violência que decorre desta acção é esteticamente bela, uma espécie de ópera com acrobacias, um ballet. Nem precisam de ser disparados muitos tiros, basta a forma como as personagens se mexem, a forma como elas vão aparecendo duplicadas por entre os espelhos, para ser tudo muito apelativo. O uso contínuo do slow-motion faz as cenas durarem mais e vemos os corpos suspensos no tempo, numa coreografia que, de todo, não esperava em filmes de acção.
Adorei Johnnie To, está visto.
E adorei especialmente a forma como ele elege o grupo como o herói dos seus filmes. Não há um herói isolado, individualizado, antes um conjunto de homens – sempre homens – que se encontra em crise face a um dilema entre dois deveres: o da fidelidade ao seu grupo que muitas vezes já vem de infância e o da fidelidade ao chefe da máfia.
Johnnie To é de Hong Kong e os filmes decorrem maioritariamente ai, em especial na península de Kowloon, ou em Macau. Para quem aqui viveu no tempo dos portugueses deve ser lindo voltar a ver as suas ruas e os carros com matrícula portuguesa como no caso de “Exiled”.
E, depois, a música que acompanha as cenas dos seus filmes é certeira para nos transportar para aquele ambiente, e ai se podem ver influências e uma pequena homenagem aos westerns, principalmente de Sergio Leone.
Johnnie To já caracterizou os seus filmes como exercícios em que vai procedendo a uma experimentação constante. Pois bem, os exercícios dele a que me dediquei até à data foram “The Mission (1999), “Exiled” (2006) e “Sparrow” (2008).



Começando pelo último, “Sparrow” é uma pequena maravilha, foi o filme que mais me entusiasmou. É sobre um grupo de carteiristas simpáticos e tão discretos que o roubo das carteiras não devia dar direito a uma pena mas antes a um bilhete para se assistir a um espectáculo, tão belos que são os seus gestos. Mas eis que surge uma mulher que será comum a todos os elementos do bando e parece que irá conseguir separar os amigos. Mas, como disse ao início, o herói é o grupo.



Em “Exiled”, o tal passado em Macau, o grupo é composto por amigos de infância, sendo recorrente a imagem da fotografia deles em pequenitos e depois uma outra fotografia deles mais velhitos. A primeira cena é a de um tiroteio em que, por acaso e sem querer, aparece um polícia português que se irá reformar já no dia seguinte e a quem não interessa nada ser apanhado no meio daquela confusão. Vai daí, telefona ao chefão da máfia para este pedir aos seus gangsters que o deixem sair dali ileso. Uma espécie de ironia zen de Johnnie To, recorrente nos seus filmes. A esta ideia de acaso deve ser juntada a ideia de fatalidade e de tempo, bem expressa na última cena do filme, na filmagem do último combate, o qual dura o exacto momento que uma lata demora a cair. E morrem todos.



O “The Mission” tem mais uns quantos tiros. É sobre um chefe da máfia que, assustado, contrata 5 elementos para o protegerem. Estes, desta vez, não se conhecem à partida, mas a sua relação torna-se tão forte que se tornam amigos e fazem brindes à sua amizade. Quando um deles começa a ter um affair com a mulher do chefe mafioso a sua morte é encomendada. Os amigos reagem, mas com isso põem em causa também as suas próprias vidas (dos restantes 4). Mas do que me vou lembrar neste filme é da cena passada no centro comercial, por entre escadas rolantes e espelhos, onde os inimigos se encontram. Há tiros, mas parece um bailado. Com música a propósito a acompanhar, calma, um toque suave. Noutra cena, o grupo de amigos joga à bola com uma bolita de papel, trocando passes enquanto esperam pelo patrão.
Estes filmes de Johnnie To são um autêntico hino à amizade.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O Cinema de Wong Kar Wai

De Wong Kar Wai (WKW) já tinha visto “In The Mood for Love” –“Disponível para Amar”, de 2000, e “My Blueberry Nights”, de 2007. Este último, recente, ainda tinha na memória, e lembro que gostei. E lembro, sobretudo, da sua música, principalmente o “The Greatest” de Cat Power.



Agora revi “In The Mood for Love” e vi “Chungking Express”, de 1994, e “Happy Together”, de 1997.
E fiquei a saber que a música não é um elemento de somenos em WKW. Aliás, ainda que ele se dedique a vários géneros, o melodrama, um desses géneros, é isso mesmo – um drama musical. E encontramos música do mundo, por exemplo Nat King Cole a cantar o Quizás em espanhol em In The Mood for Love.
Esta é apenas mais uma prova da multiculturalidade e cosmopolitanismo dos filmes de WKW. Por exemplo, este filme é passado em Hong Kong, mas filmado em Banguecoque, Tailândia, procurando recriar a Shanghai dos anos 50/60 da infância do realizador, e termina em Angkor Wat, Camboja. Chega? Ok, Chungking Express trata de Hong Kong. Mas Happy Together é passado na Argentina. E My Blueberry Nights rola em vários locais dos Estados Unidos da América.
Temas recorrentes em WKW são a questão da cidade, da modernidade e da identidade. A questão da migração, também, com o sujeito em crise – o que acontece em todos estes 4 filmes.



Chungking Express são duas histórias separadas dentro do mesmo filme. Dois policias numa Hong Kong frenética. A sequência inicial do filme, em slow-motion e acompanhada com uma música que lá encaixa na perfeição é imperdível. Sempre com um ritmo acelerado, relógios presente, comida presente, o dia a dia certeiramente retratado na confusão da grande cidade de Hong Kong. É um filme fantástico.



Happy Together gira à volta de um casal de homens de Hong Kong que vão até a Argentina tentar salvar a sua relação instável. Um deles tinha um daqueles objectos que se encontram nas lojas chinesas e de recordações fatelas com a imagem das cataratas de Iguazu e eles tentam lá chegar de carro – em vão. Dividem-se, mas voltam a encontrar-se. Um tenta arranjar trabalho – o actor Tony Leung Chiu-Wai, (quase) sempre presente nos filmes de WKW – e o outro nem por isso. Mas ambos desejam voltar para o seu país. Muito bom este filme.



In The Mood for Love é muito bonito. Há aqui uma nostalgia do passado (já “2046”, que não vi, é a outra parte do puzzle, uma projecção do futuro) que juntamente com a música, que surge como interlúdio para as cenas da relação entre os dois amantes, nos descontrai em absoluto e nos faz encantar. Este filme trata de casamento e fidelidade. Da relação entre o Sr Chow e a Sra Chan, uma relação baseada na reserva e no desejo reprimido e baseada também no suspense – será que eles dormiram juntos ou não? Levaram a sua relação até ao fim ou não? O que é que o Sr Chow sussurrou nos templos de Angkor na cena final?
Tudo aqui é lindo. Os vestidos da Sra Chan, os encontros dos amantes, os seus diálogos, quer enquanto caminham pelas ruas, quer enquanto estão à mesa, a comer. E a cena do fumo do cigarro que se perde no ar, não sem antes formar uma sombra que se confunde com a própria música. E pensar que provavelmente em 2000 adormeci no cinema a ver e a ouvir esta maravilha.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Dengue Fever



Deixando um pouco os filmes de lado, e aproveitando um novo cd da banda, apresento Dengue Fever.
Banda americana com vocalista cambojana, mistura o inglês com o khmer, o folk com um rock futurista.
Ainda não consegui ouvir o novíssimo "Cannibal Courtship", mas a banda tem mais albuns e o "Venus On Earth", de 2008, é simplesmente fabuloso. Não entendo nada do que dizem, mas aqueles iong iong soam-me muito bem.
Há ainda um documentário de nome "Sleepwalking Through The Mekong" em que a miúda da trupe volta ao seu país junto com os amigos americanos que um dia se encantaram pelo país de Angkor.
Não vou conseguir descansar enquanto não sacar a nova música da net.

“Realismo documental”

E porque não é só de ficção que se faz o cinema, eis aqui mais dois exemplos.



O primeiro o de um filme antigo, de 1972, que se pretendia comprometido com Mao Tse Tung e a Revolução Cultural, mas que afinal veio a ser acusado de outra coisa: Chung Kou ou Cina, um documentário de Michelangelo Antonioni.
O italiano era um realizador assumidamente de esquerda e foi convidado pelo governo chinês da altura para filmar a nova China – seria um dos primeiros actos de abertura do país e a primeira vez que os olhos ocidentais poderiam vê-lo.
Mas Antonioni não se limitou a mostrar aquilo que os sempre presentes guias queriam que ele mostrasse e a propaganda anti filme não tardou a ser despoletada. Para se ter uma ideia, só em 2004 este filme veio a ser oficialmente mostrado na China.
Aos meus olhos, não tem nada de mais, nada que possa colocar assim tão em causa o regime chinês de então. Mostra as crianças e os seus pais operários em plena ordem, dançando e ouvindo música – de apologia a Mao –, praticando desporto, marchando, indo para o trabalho alegremente. Mas mostra também os mercados não oficiais, onde tudo se vende e tudo se compra, e mostra ainda, numa fuga autorizada mas não aceite, uns outros edifícios de casas e escolas não tão conservados e confortáveis como aqueles que a princípio seria desejável mostrar-se. Para se ter uma ideia das “desculpas” inventadas para denegrir o filme, Antonioni foi acusado de filmar os rostos e gestos das pessoas, individualmente falando, logo numa China em que o colectivo é rei. E foi acusado de filmar a moderna ponte sobre o Rio Yangtze, em Nanquim, sob um ponto de vista em que a mostrava escura e torta. Nem adiantou argumentar que o dia estava carregado de nuvens.
Enfim, Antonioni foi apanhado num momento em que a oposição interna e externa ao Partido Comunista Chinês corria solta e acabou por servir como instrumento para aqueles que queriam conservar o poder.

Outro exemplo é o do realizador chinês Jia Zhang-ke, este nosso contemporâneo. Os seus filmes não são bem documentários, mas não andam longe disso e a preocupação com o real e os problemas da actualidade marcam presença forte no seu cinema. É como que um género que pode ser designado por realismo documental.



Jia foi aclamado pelo filme Still Life, considerado um dos melhores filmes asiáticos de sempre e premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2006. O filme trata da questão – real – da construção do Three Gorges Dam, uma barragem hidroeléctrica no rio Yangtze que implicou a inundação e correspondente desaparecimento de inúmeras vilas e aldeias. Como na China é tudo em grande, tiveram que ser deslocados mais de um milhão de habitantes. No filme um individuo volta para procurar a sua ex-mulher e filha, que não vê há anos.



O outro de Jia que vi foi o Xiao Wu, o seu primeiro filme, de 1998. Gostei mais deste, não tão parado, conta a história de um ladrão de carteiras habilidoso, mas que vai perdendo a consideração dos amigos e da família. Interessante nestes filmes é a presença da música, uma constante, seja no rádio, seja na televisão, a música popular faz-se ouvir.
Outro filme muito bem recebido de Jia é o The World. Mas quanto a este, ainda tenho de ganhar coragem para me dedicar às duas mais de 2 horas.