Alguns excertos de Opiário de Fernando Pessoa:
Álvaro de Campos
(No Canal de Suez, a bordo)
É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.
(...)
Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.
(...)
Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.
Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?
(...)
Pertenço a um gênero de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes.
Leve o diabo a vida e a gente tê-la!
Nem leio o livro à minha cabeceira.
Enoja-me o Oriente. É uma esteira
Que a gente enrola e deixa de ser bela.
(...)
Deixe-me estar aqui, nesta cadeira,
Até virem meter-me no caixão.
Nasci pra mandarim de condição,
Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira.
domingo, 24 de fevereiro de 2013
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Índia Antiga e Medieval
Da história da Índia, mais especificamente do
seu sub-continente enquanto espaço a que hoje correspondem três estados independentes, Índia,
Paquistão e Bangladesh, existem
registos encontrados há apenas 100 anos que nos
transportam para uma ocupação cerca do ano 3000 a.C. A civilização
do Vale do Indo,
ou civilização Harappa, por ocupar uma região mais extensa do que a do vale do rio Indo, possuía já uma cultura urbana e
mercantilista, sustentada no comércio de produtos agrícolas. As cidades encontradas, da qual o melhor exemplo que
chegou aos dias de hoje será Moehenjo-daro, possuem uma
coerência entre si, coerência essa que se mantém numa vasta área, que se crê ser mais extensa do que as
civilizações do Egipto e Suméria. Acredita-se ainda que estas cidades tenham sido das
primeiras do mundo a ser planeadas. No entanto, o facto de ainda não ter sido possível decifrar a sua escrita, um
mistério, faz com que o
conhecimento acerca desta civilização não seja ainda completo. A sua queda ter-se-á ficado a dever não só a alterações climatéricas (grandes cheias que trouxeram grandes inundações), mas também à negligência e interferência humana que fizeram alterar as condições agrícolas no vale do Indo, como a
excessiva deflorestação e a manutenção inadequada de barragens e canais de irrigação.
E, também, a invasões de povos nómadas que ocorreram no segundo milénio. Falo, principalmente, dos arianos. Há quem defenda que estes se tenham cruzado no tempo e no espaço com os Harappas. De todo o modo, seriam os povos árias, vindos da Ásia Central através de várias ondas de imigração (e que então se decidiram espalhar um pouco por todo o continente euro-asiático), que entre 1700 a 900 a.C. impuseram os seus valores. Trouxeram consigo a sua língua, bens, cavalos e rebanhos até subjugarem os povos autóctones da Índia, os dasas. E espalharam a sua cultura superior ao vale do Ganges e depois península adentro, conferindo uma integridade cultural sem precedentes e um alto grau de civilização. Acreditando nos poderes divinos das forças da natureza, com as suas divindades como Agni, Indra e Varuna (equivalentes aos deuses gregos e romanos), possuíam um estatuto ritual elaborado, pleno de sacrifícios (como o Ashvameda, o ritual / sacrifício do cavalo), o qual haveria de contribuir para uma estratificação hierárquica da sociedade conhecida como castas.
Depois veio a época das grandes epopeias, como o Mahabharata e o Ramayana, descrevendo os mitos e uma série de eventos numa sociedade que era baseada em clãs. Tratam de temas como a ida para o exílio e os conflitos entre os clãs. O Ramayana, em particular, entra pelo sul da Índia, o que é uma evidência da contínua expansão da arianização durante o primeiro milénio a.C.
Os Gupta ascenderam ao poder entre 300 e 500 e esta ficou conhecida como a época dourada da cultura indiana, com uma crescente criatividade. Ao contrário dos Maurya, budistas, os Gupta eram hindus, e com eles observou-se a um renascimento bramânico e a nova emergência do sânscrito. Havia estabilidade, o comércio internacional florescia e a tolerância religiosa era real, como pôde aliás constatar o monge budista chinês Faxian na sua viagem até à Índia por esta altura. Também os Gupta usaram de inscrições e numa delas declarava-se "a perfeição foi alcançada". A paz e a ordem reinavam e as guildas continuavam influentes. No que à literatura diz respeito, Kalidasa, o dramaturgo sânscrito comparado com Shakespeare, terá vivido por esta época. Para além das artes como pintura e escultura, também as ciências eram fortes, como a astronomia, a medicina e a matemática.
E, também, a invasões de povos nómadas que ocorreram no segundo milénio. Falo, principalmente, dos arianos. Há quem defenda que estes se tenham cruzado no tempo e no espaço com os Harappas. De todo o modo, seriam os povos árias, vindos da Ásia Central através de várias ondas de imigração (e que então se decidiram espalhar um pouco por todo o continente euro-asiático), que entre 1700 a 900 a.C. impuseram os seus valores. Trouxeram consigo a sua língua, bens, cavalos e rebanhos até subjugarem os povos autóctones da Índia, os dasas. E espalharam a sua cultura superior ao vale do Ganges e depois península adentro, conferindo uma integridade cultural sem precedentes e um alto grau de civilização. Acreditando nos poderes divinos das forças da natureza, com as suas divindades como Agni, Indra e Varuna (equivalentes aos deuses gregos e romanos), possuíam um estatuto ritual elaborado, pleno de sacrifícios (como o Ashvameda, o ritual / sacrifício do cavalo), o qual haveria de contribuir para uma estratificação hierárquica da sociedade conhecida como castas.
Depois veio a época das grandes epopeias, como o Mahabharata e o Ramayana, descrevendo os mitos e uma série de eventos numa sociedade que era baseada em clãs. Tratam de temas como a ida para o exílio e os conflitos entre os clãs. O Ramayana, em particular, entra pelo sul da Índia, o que é uma evidência da contínua expansão da arianização durante o primeiro milénio a.C.
Ao lado
dos épicos, os Vedas também celebravam as façanhas dos bem nascidos como os cxatrias, a classe
guerreira. De uma hierarquia estratificada, onde cada casta era teoricamente
imutável e exclusiva, numa obsessão de linhagem da sociedade de clãs que implicavam barreiras aos casamentos entre castas, irá passar-se de um conceito de varna (cor, mas não enquanto cor de pele, mas antes um indicar de posse económica, enquanto papel a desempenhar por cada um na
sociedade) para um conceito de jati (nascimento), uma rigidez que observamos
ainda hoje em muitos locais da Índia hindu.
A Índia havia já observado o nascimento de
duas religiões que se oporiam a este
sistema hierárquico de castas, como o jainismo e o budismo, quando os Mauryas
tomam o poder por volta de 320 a 200 a.C. Este império era desconhecido da história
indiana até há pouco tempo. Todavia, fontes gregas, como as do embaixador
Megasthenes, e textos budistas e jainistas faziam referência a um certo império. Mais importantes como
fontes históricas deste período são as inscrições em rocha e em pilares, conhecidas como os éditos
de Ashoka.
Este rapidamente se tornou um símbolo da Índia e o seu mais amado governante, mas não foi Ashoka quem criou o império
Maurya, mas antes um seu antepassado, Chandragupta de seu nome, o qual terá aproveitado o vacum de poder deixado por Alexandre o
Grande. Foi Chandragupta a vir com a ideia de império,
talvez não tanto como ideia de unir a Índia, mas mais com o objectivo de engrossar o comércio marítimo lucrativo, tendo os seus
descendentes sucessivamente alargado o seu território,
de tal forma que chegou a estender-se de mar a mar, do Golfo de Bengala ao Mar
Arábico. Mas esta dinastia entra
para a história com Ashoka, e não propriamente por uma sua conquista, mas antes pelo remorso que demonstrou perante a
campanha bem sucedida militarmente no Kalinga. Este seria um ponto de viragem
na sua vida e a sua reacção perante tanto sofrimento,
morte, destruição e deportação do povo levou-o a adoptar as doutrinas pacifistas do
budismo, renunciando à violência e à guerra e advogando o conceito
de dhamma, precisamente a não violência, preservação da vida e conduta certa. A sua campanha pelo Kalinga e
posteriores ensinamentos morais baseados na sua experiência viria a ser gravada no mais importante édito que se conhece, considerado mesmo um dos primeiros
monumentos da história indiana, apenas encontrado
em 1837. Nehru haveria mesmo de escolher para emblema nacional da Índia já independente um dos capitéis
de um destes pilares, aquele dos leões.
A
ideologia do dhamma morreria com a morte de Ashoka.
Até ao advento dos Gupta, entre 300 e 500 da nossa era, a história da Índia entrou na obscuridade. Apesar de existirem mais
fontes sobre este período, como moedas, vestígios arqueológicos e inscrições, para além das fontes literárias, estas são algo contraditórias. Todavia, a importância
do comércio é evidente. Mas também um longo período de confusão política, com instabilidade, fragmentação e turbulência. Muitas das dinastias
deste período são de origem não indiana e esta foi uma época de invasões, sobretudo vindas da
fronteira noroeste. No entanto, não obstante esta época negra politicamente, em termos culturais esta parece
ter sido de iluminação e expansão. A diáspora da cultura indiana teve
o seu inicio ao mesmo tempo que a Índia estava a ser palco de uma
sucessão de intrusos, não impedindo o seu dinamismo comercial e cultural. A vida
social, financeira e até política era exercida pelas organizações das guildas (as sreni) e estas eram grandes patronos das
instituições budistas, tendo o budismo identificado-se
com o comércio e a manufactura. De
facto, não só a doutrina budista encorajava o investimento em recursos
que de outra forma seriam gastos em sacrifícios, como também negava os tabus de casta acerca da comida e das viagens.
Era, assim, natural que os comerciantes se sentissem mais próximos das suas doutrinas.
Os Gupta ascenderam ao poder entre 300 e 500 e esta ficou conhecida como a época dourada da cultura indiana, com uma crescente criatividade. Ao contrário dos Maurya, budistas, os Gupta eram hindus, e com eles observou-se a um renascimento bramânico e a nova emergência do sânscrito. Havia estabilidade, o comércio internacional florescia e a tolerância religiosa era real, como pôde aliás constatar o monge budista chinês Faxian na sua viagem até à Índia por esta altura. Também os Gupta usaram de inscrições e numa delas declarava-se "a perfeição foi alcançada". A paz e a ordem reinavam e as guildas continuavam influentes. No que à literatura diz respeito, Kalidasa, o dramaturgo sânscrito comparado com Shakespeare, terá vivido por esta época. Para além das artes como pintura e escultura, também as ciências eram fortes, como a astronomia, a medicina e a matemática.
Foram-se
os Gupta e a fragmentação e regionalização voltaram. Houve incursões
Hunas, Harsha foi efémero graças aos desafectos bramânes, mas graças também ao escritor Bana a sua fama
chegou aos nossos dias.
Isto no
que ao norte e coração gangético diz respeito.
A sul,
embora mais tardiamente do que a norte talvez uns 3 séculos, começou igualmente a assistir-se à passagem de uma liderança
de clãs para uma de monarquias.
Nomes como os Chalukyas, Pallavas, Cheras, Pandya e Cholas andaram por aqui,
uns com mais força e persistência do que outros. De realçar
os contactos que estes mantinham com o sudeste asiático.
Até que a partir de cerca de 700 o domínio árabe começa a entrar sub-continente indiano adentro, numa série de conquistas fenomenais que atingiram também a Europa e a África. Os primeiros muçulmanos a chegarem à Índia eram mercadores árabes recentemente convertidos
que comerciavam no Mar Arábico para a Costa Ocidental da
Índia. Em meados do século VII havia já comunidades com algum número de muçulmanos nos portos da costa
ocidental. E também e originalmente no Sind.
Desconhece-se, porém, se pretendiam usar o Sind
como uma plataforma para uma invasão da Índia. Igualmente, não há evidência se os indianos possuíam
consciência da ameaça que eles representavam. A sua intenção de impor uma ortodoxia monoteísta por conquista militar e domínio político era tão estranha à tradição indiana que estes não a terão compreendido. Assim, a complacência contribuiu para a indiferença, até porque os hindus estavam
convencidos de que não havia país como o deles, nação como a deles, religião como a deles, ciência como a deles. Pelo seu
lado, os invasores muçulmanos, ao contrário de Alexandre, estavam conscientes da imensidão da Índia e excitados pelos seus
recursos e produtos exóticos e reconheciam a sua
economia como uma das mais sofisticadas do mundo.
Não obstante, o colapso económico,
a opressão social, a discriminação de casta e a fragmentação
política abriu as portas ao islão que prometia justiça social, igualdade dos indivíduos e governo firme.
sábado, 16 de fevereiro de 2013
Coreia do Norte
José Luís Peixoto lançou-se na escrita de viagens e tem novo livro, precisamente sobre a Coreia do Norte, "Dentro do Segredo".
Numa passagem sobre as regras e fanatismo que rodeiam a família Kim diz-nos que ao
tirar fotografias e filmar estátuas e imagens dos líderes não devem ser cortadas partes do corpo, devem antes ser retratados de corpo inteiro, dos pés à cabeça.
Mais, o jornal Pyongyang Times tem sempre a imagem de um dos líderes na capa, então Peixoto foi ensinado pela sua guia de como dobrá-lo sem dobrar a fotografia do líder e esta explicou-lhe também que em nenhuma circunstância o jornal deveria ser colocado no lixo.
Ok. Entendemos.
Numa passagem sobre as regras e fanatismo que rodeiam a família Kim diz-nos que ao
tirar fotografias e filmar estátuas e imagens dos líderes não devem ser cortadas partes do corpo, devem antes ser retratados de corpo inteiro, dos pés à cabeça.
Mais, o jornal Pyongyang Times tem sempre a imagem de um dos líderes na capa, então Peixoto foi ensinado pela sua guia de como dobrá-lo sem dobrar a fotografia do líder e esta explicou-lhe também que em nenhuma circunstância o jornal deveria ser colocado no lixo.
Ok. Entendemos.
História da Coreia
A designação de "terra da manhã calma" refere-se à Coreia tendo em conta a sua posição geográfica em relação à China. As relações com a China não se ficam só por epítetos que lhe possam servir. No entanto, e para o que interessa, não há duvidas de que a Coreia possui cerca de 2000 anos de história de homogeneidade e unidade política, fazendo dela um dos mais antigos estados continuamente unificados do mundo. Uma única etnicidade, uma linguagem comum e participação em um sistema político. Houve também isolamento ao longo da sua história, vindo a ser conhecida como "o reino eremita". Mas esse isolamento terminou à força com a idade do imperialismo donde resultou a trágica separação entre o norte e o sul às mãos de um acordo entre americanos e Soviéticos criando uma linha arbitrária sob o paralelo 38.
É curioso observar que esta nação que conseguiu sobreviver encravada entre vizinhos poderosos, primeiro a China e depois o Japão e a União Soviética, pretendeu sempre a sua unidade, e foi preciso virem os estrangeiros, primeiro japoneses e depois americanos, com as suas ideias de separação.
Viveram desde sempre do arroz (mais propício o seu cultivo no sul do que no norte), da comida do mar e do mar em si. Mas os mares nem sempre foram amigos da navegação.
Da China os coreanos receberam o sistema de escrita (tendo, entretanto, no século XV criado o seu alfabeto próprio - e único). E a China serviu também de modelo para a literatura, arte, música, arquitectura, vestes e etiqueta. E dai importaram a maior parte das suas ideias acerca de governo e política. Apesar desta adesão às normas culturais chinesas ter sido feita sempre com orgulho, os coreanos eram fervorosamente independentes e muita da sua história é de resistência face a intrusos. A sua posição como estado tributário da China era cerimonial e para os coreanos não implicava perda de autonomia.
O budismo vindo da China e da Ásia Central teve profundo impacto na arte coreana e foi da península que seguiu para o Japão. Também o confucionismo vindo da China haveria de produzir uma forte influência nos padrões morais e éticos que guiariam os coreanos através dos séculos, tendo sido até em muitos momentos da sua história mais levado a sério do que na terra de origem. Foi precisamente a preocupação confucionista de examinar o passado que contribuiu para o forte sentido de consciência histórica entre os coreanos, os quais viveram sob o domínio de apenas três dinastias sem que as mudanças entre elas trouxesse grande agitação e tendo as famílias de elite e as instituições passado de uma dinastia para a outra sem crise de maior.
Posto isto, as origens coreanas estarão em ancestrais que terão entrado pela Manchúria e Nordeste da Ásia. Há vestígios de presença humana na Coreia desde pelo menos o Paleolítico. A agricultura possibilitou a existência de densas populações e a sua sedentarização, deixando de ser apenas caçadores, pescadores e colectores. Os mitos e as lendas são importantes fontes históricas para se conhecer os primeiros estados coreanos. O primeiro deles terá levado o nome de Choson, mas talvez tinha sido mais uma federação tribal do que um estado.
Entre o século IV e 676 viveu-se o Período dos Três Reinos - Koguryo, Paekche e Silla. A unificação da maior parte da península aconteceria com a ascensão e domínio de Silla em 676, num período da história coreana que ficaria conhecido como "Silla Tardio". Esta unificação por Silla ocorreu tendo por base alguns factores, como sejam a sua melhor posição geográfica, a sul, a sua considerável prosperidade e base económica de excedentes que permitiam suportar grandes ofensivas militares e um estado estável e um governo efectivo que poderiam com sucesso levar a uma expansão do país. E, com isto, uma sociedade coreana homogénea emergiu. Silla durou até 935 e pode resumir-se estes anos no seguinte: século VIII de brilhantismo cultural, século IX de declínio, século X de queda. Criou-se um estado centralizado, missão difícil dada a sociedade ser dominada pelas poderosas famílias aristocráticas. Silla seguiu o modelo Tang chinês, mas com diferenças, nomeadamente no que respeitava à influência da dita aristocracia e à adesão aos laços budistas, enquanto que os Tang possuíam um sentimento anti-budista e o seu governo era dominado pelos oficiais civis. Mas o confucionismo era também usado pelos reis, nomeadamente nos seus ensinamentos de piedade filial, lealdade para com o rei, respeito pela autoridade e utilidade para o estado. O governo central viria a tornar-se fraco e os senhores da guerra locais emergiram. Também os contactos com a China e com o Japão tinham diminuído, afectando a Coreia na sua posição de intermediária no comércio entre as duas potências. Ainda ameaças dos Khitans, povo nómada a norte e a fragmentação da autoridade e quebra na ordem contribuíram para a emergência de uma nova dinastia - os Koryo, que reinariam entre 935 e 1392.
Os Koryo reunificaram rapidamente a península, facto que encontra explicação na herança deixada por Silla de mais de dois séculos de governo unificado e burocrático que acabou por ser aceite como norma. Ou seja, o senso de estabilidade e continuidade na história coreana foi inaugurado com esta primeira passagem de poder entre dinastias. Houve uma reformulação do anterior estado, mas não um corte radical. Continuou-se com a adesão ao modelo de governo Tang e foi introduzido o sistema de exames civis como forma de recrutar oficiais para a burocracia, experiência esta que tinha sido vivida de forma curta em Silla. Como marca de civilização temos uma maior importância dada à educação, com o consequente aumento da literacia, ainda que esta estivesse longe de ser generalizada para as mulheres e os camponeses. O sentimento anti-budista foi crescendo, embora o budismo Son, ou meditativo, tivesse obtido grande força. Houve uma tradição rica em escrita histórica neste período Koryo, correspondente com a visão da história como guia para um governo correcto e uma boa conduta pessoal, no fundo, aprender com o passado e suas lições morais e éticas. Desta época são, pois, o Samguk Sagi e o Samguk Yusa. A esta preocupação pela história não é alheio o crescimento que o confucionismo foi obtendo. Os Koryo sofreram igualmente invasões de nómadas do norte, mas foram as invasões mongóis que viriam a ditar o seu fim. Apesar da resiliência coreana e coragem a ela associada, os coreanos deste período foram contemporâneos dos mongóis que tomaram também a China e aí instituíram a dinastia Yuan. Aos coreanos, como vassalos dos Yuan, não lhes restou mais do que resistir bravamente, mas ao mesmo tempo tornaram-se membros de uma das sociedades mais cosmopolitas do mundo, com oportunidades para viajar e residir em Pequim e desenvolvimento social que lhe estava associado, bem como oportunidade para contactar e conhecer pessoas e ideias vindas de todo o lado da Euro-Ásia (não esquecer que o império mongol chegou às portas da Europa). Com a queda dos Yuan e ascensão da dinastia Ming na China, também uma nova dinastia viria a emergir na Coreia, a Choson, nome do primeiro reino coreano.
Os Choson, que reinaram de 1392 a 1910, mais do que uma mudança de dinastia pretendiam levar a cabo uma tentativa de longo tempo para criar uma sociedade em conformidade com os valores e crenças confucionistas. Os coreanos eram mais confucionistas do que os chineses, terra de sua origem. Yi, o rei, baseou a sua nova dinastia no conceito de mandato do céu, até como forma de se legitimar, governando segundo o ideal confucionista de que o rei governa no interesse do bem estar do seu povo. O budismo declinou, embora as suas práticas fossem a maioria fora da corte. O estatuto da mulher também entrou em declínio nesta sociedade confucionista em que a mulher primeiro deve obediência ao seu pai, depois ao seu marido e quando viúva aos seus filhos. O poder do homem aumentou e a sociedades tornou-se patriarcal. Foi durante esta dinastia que em 1446 foi criado um alfabeto indígena, o Han'gul, com uma escrita simplificada e mais acessível ao povo, motivo de orgulho nacional para os coreanos enquanto importante componente da sua identidade cultural.
Em 1597 chega à Coreia o primeiro europeu, um padre jesuíta, acompanhado dos invasores japoneses. Começam, então, os problemas com novas invasões, primeiro as japonesas e, quando mal haviam ainda recuperado, as manchus. A todas elas os coreanos voltaram a resistir, tendo mesmo vencido os japoneses com o recurso aos seus históricos barcos tartaruga.
Ultrapassadas estas invasões, e com os manchus a criarem uma nova dinastia na China, a Qing, os coreanos passaram a ver estes como usurpadores e bárbaros. Pelo contrário, viam-se a si como o último verdadeiro bastião de civilização e com um senso de superioridade cultural, mesmo que reconhecessem ser o seu país mais fraco militarmente.
Era um período de paz, estabilidade e prosperidade. Mas havia uma discrepância entre os ideais confucionistas e a realidade à sua volta. Havia problemas de pobreza e injustiça social. Não existia uma classe comercial vigorosa e demorou a desenvolver-se uma economia monetária. Por outro lado, a política de isolamento desencorajava a navegação e a construção naval, o que contribuiu para a falta de comércio, para além da mentalidade confucionista dominante entender que o comércio e os negócios desviavam o povo do trabalho produtivo da terra. Também a geografia contribuiu para esta falta de comércio, dada a inexistência de grandes rios a ligar as regiões e ao facto de a costa ocidental possuir altas marés e bancos de areia tornando a navegação difícil. A costa leste, por seu lado, tinha poucos portos e estava longe dos centros populacionais. O terreno montanhoso fazia com que o transporte dos bens fosse caro.
Cresceu o número dos críticos sociais e políticos clamando por reformas. A era do imperialismo haveria de começar e a Coreia não mais poderia manter-se isolada. Pressionada pelos europeus, tendo assistido à derrota da China nas guerras do ópio do século XIX, haveria ainda de sofrer uma luta pelo seu domínio entre soviéticos e japoneses. Estes últimos ganharam e viriam a tornar a Coreia num seu protectorado e, por fim, a anexá-la e integrá-la no seu império. Esta colonização da Coreia por parte dos japoneses levou à sua modernização, designadamente na construção de caminhos de ferro, electrificação, construção de edifícios de estilo ocidental. A agricultura era orientada para a produção de produtos para exportação para o mercado japonês. Houve uma maior industrialização e foram abertas novas minas. De 1910 a 1945 a Coreia era de facto uma colónia do Japão e mais perto do fim contribuía intensamente para o esforço de guerra japonês, acompanhando as suas tendências expansionistas. Observaram-se deslocações massivas dos coreanos para os palcos de guerra e tristemente ficaram conhecidas as "mulheres de conforto". Os coreanos não assistiam impassíveis a este jugo e manifestações ocorriam, designadamente de estudantes e mulheres. Os japoneses deixaram muitas infra-estruturas para uma sociedade moderna industrializada capaz de competir com sucesso no palco mundial, mas deixaram sobretudo um sentimento de profunda humilhação, indignação e a emergência de um sentimento nacionalista coreano.
Assim, quando em 15 de Agosto de 1945 o imperador do Japão capitula inesperadamente, os coreanos celebraram. Por pouco tempo, pois veriam logo de seguida o seu país ser dividido sob o paralelo 38 entre o norte e o sul por decisão apressada e improvisada dos americanos e soviéticos.
Depois da divisão veio a guerra entre as duas Coreias entre 1950-53, sem que tivesse havido um vencedor, mas antes dois derrotados. Seguiu-se uma reorganização de dois estados independentes, criando-se estratégias (pouco pensadas) e alianças. O norte ficou com o bloco comunista e o sul com os americanos. A guerra fria entrava em acção. A norte estavam as indústrias, a sul as melhores terras agrícolas.
O norte começou por se recuperar mais cedo, o sul sofreu a bom sofrer, sem um líder inequívoco como o camarada Kim, mas com o apoio, leiam-se dólares, americano e também crédito japonês. O facto é que o norte sofreu com o fim da União Soviética em 1991, com a consequente perda do seu principal patrono económico e militar. Para além disso, também nos anos 90 a deflorestação e as cheias deram cabo das suas colheitas e fomes horríveis dizimaram a sua população. A sua ideologia terá pouco a ver com o comunismo (que me desculpe o Bernardino), é antes um regime nacional militarista. O juche é a sua ideologia, algo como seguir as coisas à sua maneira.
Já o sul, que tardava a endireitar-se, assistiu - ele e o mundo - a um milagre nos anos 80. Inesquecível Rosa Mota a cortar a meta da maratona em primeiro lugar. E inesquecível também o trabalho que os sul coreanos tiveram em transformar um estado autoritário numa genuína democracia. Esta transição deu-se apenas em 1987, ano em que os militares saíram definitivamente do poder, mas até aqui já dois factores estavam em marcha e haviam contribuído de forma decisiva para o milagre económico. Um primeiro o investimento massivo em educação (hoje a Coreia do Sul é um dos países com maior número de licenciados, a rondar os 80 e tal %). Outro a transformação de conglomerados familiares conhecidos como chaebols nos anos 70. Um conjunto de talentosos empreendedores viu mais longe que o futuro estava em transformar indústrias como a Hyundai da construção naval para a área automóvel ou a Samsung do processamento de comida para a área da electrónica.
A rivalidade entre as duas Coreias é intensa. Aos nossos olhos ocidentais sabemos qual delas está melhor preparada para as exigências que o mundo moderno nos coloca. Todavia, a grande tragédia da história coreana foi a sua divisão por decisão estrangeira. Os coreanos continuam a pensar-se a si próprios como um só povo e a divisão é encarada como não sendo natural e a unificação como sendo inevitável, ainda que o seu exacto momento futuro seja incerto.
É curioso observar que esta nação que conseguiu sobreviver encravada entre vizinhos poderosos, primeiro a China e depois o Japão e a União Soviética, pretendeu sempre a sua unidade, e foi preciso virem os estrangeiros, primeiro japoneses e depois americanos, com as suas ideias de separação.
Viveram desde sempre do arroz (mais propício o seu cultivo no sul do que no norte), da comida do mar e do mar em si. Mas os mares nem sempre foram amigos da navegação.
Da China os coreanos receberam o sistema de escrita (tendo, entretanto, no século XV criado o seu alfabeto próprio - e único). E a China serviu também de modelo para a literatura, arte, música, arquitectura, vestes e etiqueta. E dai importaram a maior parte das suas ideias acerca de governo e política. Apesar desta adesão às normas culturais chinesas ter sido feita sempre com orgulho, os coreanos eram fervorosamente independentes e muita da sua história é de resistência face a intrusos. A sua posição como estado tributário da China era cerimonial e para os coreanos não implicava perda de autonomia.
O budismo vindo da China e da Ásia Central teve profundo impacto na arte coreana e foi da península que seguiu para o Japão. Também o confucionismo vindo da China haveria de produzir uma forte influência nos padrões morais e éticos que guiariam os coreanos através dos séculos, tendo sido até em muitos momentos da sua história mais levado a sério do que na terra de origem. Foi precisamente a preocupação confucionista de examinar o passado que contribuiu para o forte sentido de consciência histórica entre os coreanos, os quais viveram sob o domínio de apenas três dinastias sem que as mudanças entre elas trouxesse grande agitação e tendo as famílias de elite e as instituições passado de uma dinastia para a outra sem crise de maior.
Posto isto, as origens coreanas estarão em ancestrais que terão entrado pela Manchúria e Nordeste da Ásia. Há vestígios de presença humana na Coreia desde pelo menos o Paleolítico. A agricultura possibilitou a existência de densas populações e a sua sedentarização, deixando de ser apenas caçadores, pescadores e colectores. Os mitos e as lendas são importantes fontes históricas para se conhecer os primeiros estados coreanos. O primeiro deles terá levado o nome de Choson, mas talvez tinha sido mais uma federação tribal do que um estado.
Entre o século IV e 676 viveu-se o Período dos Três Reinos - Koguryo, Paekche e Silla. A unificação da maior parte da península aconteceria com a ascensão e domínio de Silla em 676, num período da história coreana que ficaria conhecido como "Silla Tardio". Esta unificação por Silla ocorreu tendo por base alguns factores, como sejam a sua melhor posição geográfica, a sul, a sua considerável prosperidade e base económica de excedentes que permitiam suportar grandes ofensivas militares e um estado estável e um governo efectivo que poderiam com sucesso levar a uma expansão do país. E, com isto, uma sociedade coreana homogénea emergiu. Silla durou até 935 e pode resumir-se estes anos no seguinte: século VIII de brilhantismo cultural, século IX de declínio, século X de queda. Criou-se um estado centralizado, missão difícil dada a sociedade ser dominada pelas poderosas famílias aristocráticas. Silla seguiu o modelo Tang chinês, mas com diferenças, nomeadamente no que respeitava à influência da dita aristocracia e à adesão aos laços budistas, enquanto que os Tang possuíam um sentimento anti-budista e o seu governo era dominado pelos oficiais civis. Mas o confucionismo era também usado pelos reis, nomeadamente nos seus ensinamentos de piedade filial, lealdade para com o rei, respeito pela autoridade e utilidade para o estado. O governo central viria a tornar-se fraco e os senhores da guerra locais emergiram. Também os contactos com a China e com o Japão tinham diminuído, afectando a Coreia na sua posição de intermediária no comércio entre as duas potências. Ainda ameaças dos Khitans, povo nómada a norte e a fragmentação da autoridade e quebra na ordem contribuíram para a emergência de uma nova dinastia - os Koryo, que reinariam entre 935 e 1392.
Os Koryo reunificaram rapidamente a península, facto que encontra explicação na herança deixada por Silla de mais de dois séculos de governo unificado e burocrático que acabou por ser aceite como norma. Ou seja, o senso de estabilidade e continuidade na história coreana foi inaugurado com esta primeira passagem de poder entre dinastias. Houve uma reformulação do anterior estado, mas não um corte radical. Continuou-se com a adesão ao modelo de governo Tang e foi introduzido o sistema de exames civis como forma de recrutar oficiais para a burocracia, experiência esta que tinha sido vivida de forma curta em Silla. Como marca de civilização temos uma maior importância dada à educação, com o consequente aumento da literacia, ainda que esta estivesse longe de ser generalizada para as mulheres e os camponeses. O sentimento anti-budista foi crescendo, embora o budismo Son, ou meditativo, tivesse obtido grande força. Houve uma tradição rica em escrita histórica neste período Koryo, correspondente com a visão da história como guia para um governo correcto e uma boa conduta pessoal, no fundo, aprender com o passado e suas lições morais e éticas. Desta época são, pois, o Samguk Sagi e o Samguk Yusa. A esta preocupação pela história não é alheio o crescimento que o confucionismo foi obtendo. Os Koryo sofreram igualmente invasões de nómadas do norte, mas foram as invasões mongóis que viriam a ditar o seu fim. Apesar da resiliência coreana e coragem a ela associada, os coreanos deste período foram contemporâneos dos mongóis que tomaram também a China e aí instituíram a dinastia Yuan. Aos coreanos, como vassalos dos Yuan, não lhes restou mais do que resistir bravamente, mas ao mesmo tempo tornaram-se membros de uma das sociedades mais cosmopolitas do mundo, com oportunidades para viajar e residir em Pequim e desenvolvimento social que lhe estava associado, bem como oportunidade para contactar e conhecer pessoas e ideias vindas de todo o lado da Euro-Ásia (não esquecer que o império mongol chegou às portas da Europa). Com a queda dos Yuan e ascensão da dinastia Ming na China, também uma nova dinastia viria a emergir na Coreia, a Choson, nome do primeiro reino coreano.
Os Choson, que reinaram de 1392 a 1910, mais do que uma mudança de dinastia pretendiam levar a cabo uma tentativa de longo tempo para criar uma sociedade em conformidade com os valores e crenças confucionistas. Os coreanos eram mais confucionistas do que os chineses, terra de sua origem. Yi, o rei, baseou a sua nova dinastia no conceito de mandato do céu, até como forma de se legitimar, governando segundo o ideal confucionista de que o rei governa no interesse do bem estar do seu povo. O budismo declinou, embora as suas práticas fossem a maioria fora da corte. O estatuto da mulher também entrou em declínio nesta sociedade confucionista em que a mulher primeiro deve obediência ao seu pai, depois ao seu marido e quando viúva aos seus filhos. O poder do homem aumentou e a sociedades tornou-se patriarcal. Foi durante esta dinastia que em 1446 foi criado um alfabeto indígena, o Han'gul, com uma escrita simplificada e mais acessível ao povo, motivo de orgulho nacional para os coreanos enquanto importante componente da sua identidade cultural.
Em 1597 chega à Coreia o primeiro europeu, um padre jesuíta, acompanhado dos invasores japoneses. Começam, então, os problemas com novas invasões, primeiro as japonesas e, quando mal haviam ainda recuperado, as manchus. A todas elas os coreanos voltaram a resistir, tendo mesmo vencido os japoneses com o recurso aos seus históricos barcos tartaruga.
Ultrapassadas estas invasões, e com os manchus a criarem uma nova dinastia na China, a Qing, os coreanos passaram a ver estes como usurpadores e bárbaros. Pelo contrário, viam-se a si como o último verdadeiro bastião de civilização e com um senso de superioridade cultural, mesmo que reconhecessem ser o seu país mais fraco militarmente.
Era um período de paz, estabilidade e prosperidade. Mas havia uma discrepância entre os ideais confucionistas e a realidade à sua volta. Havia problemas de pobreza e injustiça social. Não existia uma classe comercial vigorosa e demorou a desenvolver-se uma economia monetária. Por outro lado, a política de isolamento desencorajava a navegação e a construção naval, o que contribuiu para a falta de comércio, para além da mentalidade confucionista dominante entender que o comércio e os negócios desviavam o povo do trabalho produtivo da terra. Também a geografia contribuiu para esta falta de comércio, dada a inexistência de grandes rios a ligar as regiões e ao facto de a costa ocidental possuir altas marés e bancos de areia tornando a navegação difícil. A costa leste, por seu lado, tinha poucos portos e estava longe dos centros populacionais. O terreno montanhoso fazia com que o transporte dos bens fosse caro.
Cresceu o número dos críticos sociais e políticos clamando por reformas. A era do imperialismo haveria de começar e a Coreia não mais poderia manter-se isolada. Pressionada pelos europeus, tendo assistido à derrota da China nas guerras do ópio do século XIX, haveria ainda de sofrer uma luta pelo seu domínio entre soviéticos e japoneses. Estes últimos ganharam e viriam a tornar a Coreia num seu protectorado e, por fim, a anexá-la e integrá-la no seu império. Esta colonização da Coreia por parte dos japoneses levou à sua modernização, designadamente na construção de caminhos de ferro, electrificação, construção de edifícios de estilo ocidental. A agricultura era orientada para a produção de produtos para exportação para o mercado japonês. Houve uma maior industrialização e foram abertas novas minas. De 1910 a 1945 a Coreia era de facto uma colónia do Japão e mais perto do fim contribuía intensamente para o esforço de guerra japonês, acompanhando as suas tendências expansionistas. Observaram-se deslocações massivas dos coreanos para os palcos de guerra e tristemente ficaram conhecidas as "mulheres de conforto". Os coreanos não assistiam impassíveis a este jugo e manifestações ocorriam, designadamente de estudantes e mulheres. Os japoneses deixaram muitas infra-estruturas para uma sociedade moderna industrializada capaz de competir com sucesso no palco mundial, mas deixaram sobretudo um sentimento de profunda humilhação, indignação e a emergência de um sentimento nacionalista coreano.
Assim, quando em 15 de Agosto de 1945 o imperador do Japão capitula inesperadamente, os coreanos celebraram. Por pouco tempo, pois veriam logo de seguida o seu país ser dividido sob o paralelo 38 entre o norte e o sul por decisão apressada e improvisada dos americanos e soviéticos.
Depois da divisão veio a guerra entre as duas Coreias entre 1950-53, sem que tivesse havido um vencedor, mas antes dois derrotados. Seguiu-se uma reorganização de dois estados independentes, criando-se estratégias (pouco pensadas) e alianças. O norte ficou com o bloco comunista e o sul com os americanos. A guerra fria entrava em acção. A norte estavam as indústrias, a sul as melhores terras agrícolas.
O norte começou por se recuperar mais cedo, o sul sofreu a bom sofrer, sem um líder inequívoco como o camarada Kim, mas com o apoio, leiam-se dólares, americano e também crédito japonês. O facto é que o norte sofreu com o fim da União Soviética em 1991, com a consequente perda do seu principal patrono económico e militar. Para além disso, também nos anos 90 a deflorestação e as cheias deram cabo das suas colheitas e fomes horríveis dizimaram a sua população. A sua ideologia terá pouco a ver com o comunismo (que me desculpe o Bernardino), é antes um regime nacional militarista. O juche é a sua ideologia, algo como seguir as coisas à sua maneira.
Já o sul, que tardava a endireitar-se, assistiu - ele e o mundo - a um milagre nos anos 80. Inesquecível Rosa Mota a cortar a meta da maratona em primeiro lugar. E inesquecível também o trabalho que os sul coreanos tiveram em transformar um estado autoritário numa genuína democracia. Esta transição deu-se apenas em 1987, ano em que os militares saíram definitivamente do poder, mas até aqui já dois factores estavam em marcha e haviam contribuído de forma decisiva para o milagre económico. Um primeiro o investimento massivo em educação (hoje a Coreia do Sul é um dos países com maior número de licenciados, a rondar os 80 e tal %). Outro a transformação de conglomerados familiares conhecidos como chaebols nos anos 70. Um conjunto de talentosos empreendedores viu mais longe que o futuro estava em transformar indústrias como a Hyundai da construção naval para a área automóvel ou a Samsung do processamento de comida para a área da electrónica.
A rivalidade entre as duas Coreias é intensa. Aos nossos olhos ocidentais sabemos qual delas está melhor preparada para as exigências que o mundo moderno nos coloca. Todavia, a grande tragédia da história coreana foi a sua divisão por decisão estrangeira. Os coreanos continuam a pensar-se a si próprios como um só povo e a divisão é encarada como não sendo natural e a unificação como sendo inevitável, ainda que o seu exacto momento futuro seja incerto.
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