quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Khushwant Singh - Deli
Mas, nos últimos tempos, o livro que mais gostei de ler, que amei mesmo, foi o Deli, de Khushwant Singh.
Um género de história da cidade, desde o tempo dos imperadores mogoles (não sei como se escreve o plural disto em português) até à contemporaneidade. Misturado com a história de um sikh que, sem que se perceba muito bem como – os relacionamentos na vida são mesmo assim – recebe em sua casa uma hermafrodita, ainda por cima um bocado para o feiota. E gosta.
Um capítulo inteirinho sobre o povo mais cagão do mundo – pudera! com tanta especiaria na comida…
Um hino de amor à cidade de Deli, com muito erotismo e humor à mistura.
É, assim, um livro sério e descontraído ao mesmo tempo.
Eis outra leitura obrigatória, goste-se da Índia ou apenas de excelente literatura.
Passagem para a Índia – E.M.Forster
Este clássico da Índia sob domínio britânico, considerado pela Time umas das 100 novelas em língua inglesa a ler, conta a história das (más) relações entre os britânicos e os indianos na Índia. Eles parecem não se chegar a cruzar, a não ser nas relações formais de trabalho, onde a altivez britânica persiste e oprime.
Este livro conta a história do médico Aziz, muçulmano – também ele com pouca vontade de se relacionar com os hindus do seu país (da sua nação?) –, que conhece duas britânicas e tem vontade de se aproximar delas, ser simpático, dar-lhes a conhecer a sua Índia, enfim, relacionar-se com pessoas, sejam elas alvas inglesas ou castanhinhas indianas.
Mas o peso da sociedade ganha mais força e vê-se envolvido numa perseguição alucinatória que o leva a tribunal para ser julgado por assédio por uma das inglesas. Pela outra continua a ter carinho, mas passa a desenvolver um asco e uma vontade de distância de tudo o que seja britânico. Mesmo depois de absolvido em tribunal pela retirada da queixa por parte da britânica (eram mesmo alucinações), muda de estado, para um governado pelos marajás, só para não ter que levar mais com os bifes.
Anos passados revive a história quando o seu amigo / inimigo Fielding se encontra de passagem pela sua nova morada. O diálogo final entre Aziz e Fielding é esclarecedor desta ambiguidade nos relacionamentos, daquilo que se quer a par daquilo que se tem por força do imperialismo.
“- De qualquer maneira, fora com os ingleses! Isso com certeza. Fora, amigos, fora, fora, já disse. Podemos odiar-nos entre nós, mas ainda os odiamos mais a vocês. Se não for eu a correr convosco será Ahmed, será Karim; nem que seja daqui a cinquenta ou quinhentos anos correremos convosco, sim, empurraremos todos os malditos ingleses para o mar, e depois…, depois – concluiu beijando-o quase -, você e eu ficaremos amigos”
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Pierre Loti - As Desencantadas
E porque a Turquia também é Ásia (e também é Europa), eis um livro que faz as vezes de elegia a Istambul.
“Istambul! Que sortilégio evocador nesta única palavra!... a cidade dos minaretes e dos zimbórios, majestosa e única, sem rival apesar da decrepitude irremediável, altaneiramente perfilada sobre o céu, com o circulo do Marmára fechando o horizonte”.
Este trecho de “As desencantadas”, do francês Pierre Loti, fala de Marmára mas o livro não se cansa de aludir a Pera e ao Bósforo, onde os endinheirados iam passar os meses de Primavera / Verão nas suas mansões à beira da água.
Loti está para os franceses assim como Kipling está para os ingleses e assim como ninguém está para os portugueses. O francês, oficial da marinha, viajou por todo o oriente e nele se inspirou em grande parte das suas obras.
“As desencantadas” narra a história de 3 primas turcas de Istambul que segundo a tradição da época são destinadas a casamentos arranjados e a viver para sempre num harém com as outras mulheres de seu marido. O que destoa aqui é a sua vontade em contrariar a tradição e a sua coragem e impetuosidade em insistir em encontrar-se com André, um escritor francês, para que este escreva as suas tristes vidas. Mas André – por quem tinham admiração enquanto escritor – acaba por significar muito mais para todas elas em geral e para uma delas em particular.
É ler até ao fim, por entre descrições entusiasmadas de Istambul e o destino trágico das mulheres de uma época.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Shìjiè - O Mundo
Vi o Shìjiè, O Mundo, de 2004, de Jia Zhangke.
Senti falta dos comentários ofegantes do professor de Cinema Asiático, uma vez que este filme estava no programa mas já não houve tempo de o apresentar durante as aulas.
Faço, no entanto, alguns comentários.
É passado num parte temático em Pequim, o Beijing World Park, onde podemos conhecer o mundo todo sem sair de Pequim: temos Paris nos arredores de Pequim, a Torre de Londres a dois passos daí e em Pequim ainda existem as suas próprias torres gémeas. Qual Las Vegas, qual quê? Pelos vistos desde 1993 que os chineses têm as suas próprias réplicas dos monumentos mais famosos do mundo.
Mas o delírio pára aqui. O filme é sério e relata o dia-a-dia e os relacionamentos entre vários artistas do Parque. Uns chineses que emigraram para Pequim, outros russos. Vidas difíceis, vidas contemporâneas.
Vale bem a pena dar uma olhada para entender um pouco mais da sociedade chinesa.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Huózhe - Viver
O filme Viver, de Zhang Yimou, foi considerado um dos melhores filmes asiáticos pela CNN. O seu realizador é também conhecido pelos “mais comerciais” Herói, Maldição da Flor Dourada e O Segredo dos Punhais Voadores. Para além disso, Zhang Yimou foi um dos criadores das cerimónias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008.
Huózhe (Viver), de 1994, é um épico sobre uma parte da história chinesa, entre os anos 1940 e os anos 1970.
O personagem principal, Fugui, é nos mostrado inicialmente como um viciado no jogo, que perde as propriedades de família, incluindo a casa apalaçada e, com isso, a sua mulher (mais tarde reunir-se-iam). Depois de ter de sobreviver fazendo espectáculos de teatro de marionetas, é apanhado pelo Guomindang, o Partido Nacionalista. Durante a guerra civil, e graças ao seu talento com as marionetas, acaba por se integrar no Partido Comunista de Mao, o vencedor. Com os novos tempos vê que o melhor que lhe poderia ter acontecido no passado foi mesmo ter perdido as suas propriedades, uma vez que a nova ordem não só as passou a confiscar como enforcaria todos os grandes proprietários que a ela se opusessem.
Este filme narra a tragédia pessoal de uma família ao longo de décadas, passando pelo Grande Salto em Frente do final dos anos 1950, onde vemos as famílias a reunirem todo o ferro possível, mesmo maçanetas de baús, para se juntarem aos desejos de Mao, até à Revolução Cultural do fim dos anos 1960 e princípios dos anos 1970. Com esta, Fugui tem de destruir – sem qualquer oposição – as suas marionetas, uma vez que estas eram uma representação de uma tradição chinesa – o que a dita Revolução Cultural queria abolir a todo o custo.
Para o fim fica o murro no estômago. Como todos os médicos do hospital local haviam sido acusados de reaccionários, foram substituídos por estudantes e estagiários de medicina. A filha surda-muda de Fugui acaba por morrer logo a seguir ao parto de seu neto sem que haja outra reacção do pessoal médico para além de gritos atarantados.
Todavia, aquilo que é uma crítica comovente e cândida a um período da história chinesa termina com uma mensagem de optimismo, com o que resta da família reunida junto às sepulturas dos dois filhos mortos (o mais novo havia morrido bem cedo) com esperança num futuro melhor para o único neto.
Um filme imperdível e uma outra perspectiva da história.
sábado, 3 de setembro de 2011
Mouraria Chinesa
A Associação Renovar a Mouraria (http://www.renovaramouraria.pt/) tem estado a organizar uns passeios guiados à Mouraria Chinesa.
O ponto de encontro (com reserva antecipada obrigatória e limitada a pequenos grupos) é, como não podia deixar de ser, no Martim Moniz, junto à capela da Nossa Senhora da Saúde – ali mesmo em frente ao edifício caiado de branco da religião dominante em Portugal, com um mendigo à porta a quem uma velhinha que ia a entrar na igreja pede para lhe trocar umas moedas (sem que lhe dê esmola), e onde o bem lisboeta eléctrico amarelo passa incessantemente. Àquela hora da manhã ainda não leva muitos turistas. Mas cá fora, nas ruas, este grupo de 10 portuguesas (todas mulheres) aguarda enquanto ao seu redor vão passando chineses, africanos, indianos – ou talvez bangladeshes ou paquistaneses.
Esta será a zona mais multicultural de Lisboa e iniciativas como a desta Associação são bem-vindas para que possamos conhecer um pouco dos outros, daqueles que escolheram viver no nosso país, mas que na maior parte das vezes não vive connosco.
E, no que respeita aos chineses, como podiam, se vêm para cá para trabalhar, trabalhar e trabalhar?
Conhecida por ser uma comunidade fechada, esta visita guiada pretende desmistificar um pouco esta ideia e abrir-nos ambos, aproximando-nos.
O passeio começa no Centro Comercial da Mouraria, numa loja / bazar onde parece que se vende um pouco de tudo. A simpática empregada, que se esforça por ir perdendo a timidez à medida que responde às perguntas curiosas do nosso grupo, já saiu de Lisboa: foi a Tavira, a Óbidos, ao Gerês. Não é um caso típico. Mais típico será o seu agrado pela cidade que a recebe ter um clima ameno e, à noite, ser necessário um lençol para nos cobrirmos quando vamos dormir. Ficamos então a saber que tal é motivo de relevo, de encanto até. A maioria dos chineses em Portugal vem da província de Zhejiang, a sul de Xangai.
Saindo do centro comercial, mas mesmo aí perto, paramos depois num dos maiores e mais importantes supermercados chineses em Portugal, onde à entrada se vêem papelinhos com todo o tipo de informação, nomeadamente ofertas de emprego ou de casa – forma da comunidade comunicar entre si. A dona fala um português fluente e perfeito, o que não é muito comum.
Do outro lado da Praça fica o Centro Comercial Martim Moniz e a loja de um casal de antigos professores chineses onde podemos encontrar livros e artigos de decoração tipicamente chinesa, onde o vermelho predomina. Tivemos aqui direito a uma explicação acerca do funcionamento do ábaco que não há muito tempo vem sido substituído pela máquina de calcular.
Rua da Palma afora, metendo por um patiozinho onde está a ser construído um centro clínico para a comunidade, damos de caras com um cabeleireiro com um ar modernaço, mas ao mesmo tempo despojado. As fotos com modelos de penteados que se vêem em todos os cabeleireiros são aqui substituídas por modelos chineses. Mas os cortes da moda, certamente a imitar os ídolos do momento no outro lado do mundo, não são só para mostrar – a clientela, tanto chinesa como outra, faz questão de querer aqueles cortes prá frentex que se vêem nos cabelos fortes e espessos dos chineses.
Começando a subir a Av. Almirante Reis, na Rua dos Anjos fica a próxima paragem, o templo da Associação Taoista Portuguesa. Entre tentativas de ver as cores dos órgãos e das vísceras que navegam no nosso corpo, tentando levar um sorriso a cada uma delas, pernas cruzadas e olhos fechados, realizei que afinal há coisas piores do que ouvir rezar uma Avé-Maria inteira.
Adiante para a descoberta fantástica que se seguiu, providencialmente à hora do almoço. De volta à Rua da Palma, num 3.º andar de um prédio com uma varanda com uma vista soberba para algumas das colinas de Lisboa, com a Igreja da Graça e o Castelo em grande destaque, fica um daqueles restaurantes clandestinos (ou informal, talvez seja mais simpático a ele se referir, que bem merece) que se ouve falar que existem. Parece um apartamento normal, mas cada divisão tem uma mesa posta. A ementa é em chinês, mas a guia Joana atenciosamente levava um escrito com a descrição dos pratos em português.
Não precisava: podíamos comer de olhos fechados, estava tudo absolutamente saboroso e mais pratos viessem mais descobertas gastronómicas fantásticas teríamos. O preço é impublicável, de tão pornograficamente barato que é. Falta dizer que esta não é a comida chinesa que encontramos na maioria dos restaurantes chineses que por aí abundam; esta é a comida que os chineses desta região realmente comem, daí serem os próprios chineses a maioria de clientes deste restaurante.
Experiência a repetir, certamente.
O ponto de encontro (com reserva antecipada obrigatória e limitada a pequenos grupos) é, como não podia deixar de ser, no Martim Moniz, junto à capela da Nossa Senhora da Saúde – ali mesmo em frente ao edifício caiado de branco da religião dominante em Portugal, com um mendigo à porta a quem uma velhinha que ia a entrar na igreja pede para lhe trocar umas moedas (sem que lhe dê esmola), e onde o bem lisboeta eléctrico amarelo passa incessantemente. Àquela hora da manhã ainda não leva muitos turistas. Mas cá fora, nas ruas, este grupo de 10 portuguesas (todas mulheres) aguarda enquanto ao seu redor vão passando chineses, africanos, indianos – ou talvez bangladeshes ou paquistaneses.
Esta será a zona mais multicultural de Lisboa e iniciativas como a desta Associação são bem-vindas para que possamos conhecer um pouco dos outros, daqueles que escolheram viver no nosso país, mas que na maior parte das vezes não vive connosco.
E, no que respeita aos chineses, como podiam, se vêm para cá para trabalhar, trabalhar e trabalhar?
Conhecida por ser uma comunidade fechada, esta visita guiada pretende desmistificar um pouco esta ideia e abrir-nos ambos, aproximando-nos.
O passeio começa no Centro Comercial da Mouraria, numa loja / bazar onde parece que se vende um pouco de tudo. A simpática empregada, que se esforça por ir perdendo a timidez à medida que responde às perguntas curiosas do nosso grupo, já saiu de Lisboa: foi a Tavira, a Óbidos, ao Gerês. Não é um caso típico. Mais típico será o seu agrado pela cidade que a recebe ter um clima ameno e, à noite, ser necessário um lençol para nos cobrirmos quando vamos dormir. Ficamos então a saber que tal é motivo de relevo, de encanto até. A maioria dos chineses em Portugal vem da província de Zhejiang, a sul de Xangai.
Saindo do centro comercial, mas mesmo aí perto, paramos depois num dos maiores e mais importantes supermercados chineses em Portugal, onde à entrada se vêem papelinhos com todo o tipo de informação, nomeadamente ofertas de emprego ou de casa – forma da comunidade comunicar entre si. A dona fala um português fluente e perfeito, o que não é muito comum.
Do outro lado da Praça fica o Centro Comercial Martim Moniz e a loja de um casal de antigos professores chineses onde podemos encontrar livros e artigos de decoração tipicamente chinesa, onde o vermelho predomina. Tivemos aqui direito a uma explicação acerca do funcionamento do ábaco que não há muito tempo vem sido substituído pela máquina de calcular.
Rua da Palma afora, metendo por um patiozinho onde está a ser construído um centro clínico para a comunidade, damos de caras com um cabeleireiro com um ar modernaço, mas ao mesmo tempo despojado. As fotos com modelos de penteados que se vêem em todos os cabeleireiros são aqui substituídas por modelos chineses. Mas os cortes da moda, certamente a imitar os ídolos do momento no outro lado do mundo, não são só para mostrar – a clientela, tanto chinesa como outra, faz questão de querer aqueles cortes prá frentex que se vêem nos cabelos fortes e espessos dos chineses.
Começando a subir a Av. Almirante Reis, na Rua dos Anjos fica a próxima paragem, o templo da Associação Taoista Portuguesa. Entre tentativas de ver as cores dos órgãos e das vísceras que navegam no nosso corpo, tentando levar um sorriso a cada uma delas, pernas cruzadas e olhos fechados, realizei que afinal há coisas piores do que ouvir rezar uma Avé-Maria inteira.
Adiante para a descoberta fantástica que se seguiu, providencialmente à hora do almoço. De volta à Rua da Palma, num 3.º andar de um prédio com uma varanda com uma vista soberba para algumas das colinas de Lisboa, com a Igreja da Graça e o Castelo em grande destaque, fica um daqueles restaurantes clandestinos (ou informal, talvez seja mais simpático a ele se referir, que bem merece) que se ouve falar que existem. Parece um apartamento normal, mas cada divisão tem uma mesa posta. A ementa é em chinês, mas a guia Joana atenciosamente levava um escrito com a descrição dos pratos em português.
Não precisava: podíamos comer de olhos fechados, estava tudo absolutamente saboroso e mais pratos viessem mais descobertas gastronómicas fantásticas teríamos. O preço é impublicável, de tão pornograficamente barato que é. Falta dizer que esta não é a comida chinesa que encontramos na maioria dos restaurantes chineses que por aí abundam; esta é a comida que os chineses desta região realmente comem, daí serem os próprios chineses a maioria de clientes deste restaurante.
Experiência a repetir, certamente.
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