Johnnie To, que eu desconhecia em absoluto que existia ou sequer fazia filmes, foi o que mais me surpreendeu.
Ainda por cima, os seus filmes de acção são policiais, com gangsters, armas e algumas artes marciais. Algo que à partida eu diria: não, obrigada.
Mas… o que acontece é que a violência que decorre desta acção é esteticamente bela, uma espécie de ópera com acrobacias, um ballet. Nem precisam de ser disparados muitos tiros, basta a forma como as personagens se mexem, a forma como elas vão aparecendo duplicadas por entre os espelhos, para ser tudo muito apelativo. O uso contínuo do slow-motion faz as cenas durarem mais e vemos os corpos suspensos no tempo, numa coreografia que, de todo, não esperava em filmes de acção.
Adorei Johnnie To, está visto.
E adorei especialmente a forma como ele elege o grupo como o herói dos seus filmes. Não há um herói isolado, individualizado, antes um conjunto de homens – sempre homens – que se encontra em crise face a um dilema entre dois deveres: o da fidelidade ao seu grupo que muitas vezes já vem de infância e o da fidelidade ao chefe da máfia.
Johnnie To é de Hong Kong e os filmes decorrem maioritariamente ai, em especial na península de Kowloon, ou em Macau. Para quem aqui viveu no tempo dos portugueses deve ser lindo voltar a ver as suas ruas e os carros com matrícula portuguesa como no caso de “Exiled”.
E, depois, a música que acompanha as cenas dos seus filmes é certeira para nos transportar para aquele ambiente, e ai se podem ver influências e uma pequena homenagem aos westerns, principalmente de Sergio Leone.
Johnnie To já caracterizou os seus filmes como exercícios em que vai procedendo a uma experimentação constante. Pois bem, os exercícios dele a que me dediquei até à data foram “The Mission (1999), “Exiled” (2006) e “Sparrow” (2008).
Começando pelo último, “Sparrow” é uma pequena maravilha, foi o filme que mais me entusiasmou. É sobre um grupo de carteiristas simpáticos e tão discretos que o roubo das carteiras não devia dar direito a uma pena mas antes a um bilhete para se assistir a um espectáculo, tão belos que são os seus gestos. Mas eis que surge uma mulher que será comum a todos os elementos do bando e parece que irá conseguir separar os amigos. Mas, como disse ao início, o herói é o grupo.
Em “Exiled”, o tal passado em Macau, o grupo é composto por amigos de infância, sendo recorrente a imagem da fotografia deles em pequenitos e depois uma outra fotografia deles mais velhitos. A primeira cena é a de um tiroteio em que, por acaso e sem querer, aparece um polícia português que se irá reformar já no dia seguinte e a quem não interessa nada ser apanhado no meio daquela confusão. Vai daí, telefona ao chefão da máfia para este pedir aos seus gangsters que o deixem sair dali ileso. Uma espécie de ironia zen de Johnnie To, recorrente nos seus filmes. A esta ideia de acaso deve ser juntada a ideia de fatalidade e de tempo, bem expressa na última cena do filme, na filmagem do último combate, o qual dura o exacto momento que uma lata demora a cair. E morrem todos.
O “The Mission” tem mais uns quantos tiros. É sobre um chefe da máfia que, assustado, contrata 5 elementos para o protegerem. Estes, desta vez, não se conhecem à partida, mas a sua relação torna-se tão forte que se tornam amigos e fazem brindes à sua amizade. Quando um deles começa a ter um affair com a mulher do chefe mafioso a sua morte é encomendada. Os amigos reagem, mas com isso põem em causa também as suas próprias vidas (dos restantes 4). Mas do que me vou lembrar neste filme é da cena passada no centro comercial, por entre escadas rolantes e espelhos, onde os inimigos se encontram. Há tiros, mas parece um bailado. Com música a propósito a acompanhar, calma, um toque suave. Noutra cena, o grupo de amigos joga à bola com uma bolita de papel, trocando passes enquanto esperam pelo patrão.
Estes filmes de Johnnie To são um autêntico hino à amizade.
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