De Wesceslau de Moraes li dois livros este verão, "Paisagens da China e do Japão" e "Traços do Extremo Oriente". A escrita do português mais japonês de sempre é delicada, intimista e apaziguadora.
Algumas passagens tiradas do "Paisagens da China e do Japão":
- talvez sobre os bambus de Kyoto, "Aqui, um bosque de bambus gigantes, cuja sombra eterna e cuja paz soturna dão alucinações aquele que se aventura em devassar o seu mistério";
- acerca do shintoismo, "O shintoismo da palavra shinto (a estrada dos deuses), é a crença primitiva, patriarcal, das épocas remotas mo Japão; e conservada até hoje, a despeito da grande propaganda de Buda que se fez e se faz, é ainda a religião nacional, a religião do Estado. O shintoismo é a adoração pelo sol, pelo Imperador seu filho, por todas as forças da criação, pelas divindades protectoras, pelos génios, pelos nobres, pelos heróis e pelos sábios. O templo de shinto é o recinto consagrado a uma dessas invocações. Distingue-se antes de tudo pelo torii, o grande arco de pedra ou de madeira avizinhando do lugar, e como que indicando o caminho ao peregrino. Torii quer dizer descanso dos pássaros.";
- e, como não podia deixar de ser, qualquer texto sobre o Japão não pode fugir de falar sobre a impermanência das estações, "há alguns dias, na cidade de Kobe, - poderia precisar o dia, e quase a hora, se tamanho rigorismo me exigissem, - irrompeu a Primavera. Irrompeu: não há sombra de exagero no vocábulo, irrompeu, surgiu de um pulo, fez explosão. Neste país do Sol Nascente, onde o sol, e com ele todas as grandes forças naturais, são ainda uns selvagens - se assim posso expressar-me - uns selvagens sem freio, sem noção das conveniências, incapazes de se apresentarem de visita, de luva e casaca, numa corte qualquer da nossa Europa; neste Laís do Sol Nascente, ia eu dizendo, a criação inteira apostou, parece, em oferecer em cada dia uma surpresa, toda ela exuberâncias inauditas, espalhafatos únicos, repentismos nervosos, caprichos doidos, como se reunisse em si a quinta essência da alma das crianças e a quinta essência da alma das mulheres, a gargalhada, a troça, enfim, motejadora de tudo quanto é ordem, harmonia, contemporizadora lei das transições.".
E mais algumas passagens, desta vez tiradas do "Traços do Extremo Oriente":
- uma explicação mitológica de como foi formado o arquipélago da Japão, "Copio de um livro as seguintes linhas: - "Antigamente os deuses invisíveis residiam no céu. O deus Yzagani e a deusa Yzanani datam dessa época puramente divina. Um dia, alguns pingos de água caíram da lança do deus, quem quisera sondar a profundeza do mar, e formaram a ilha de Awaji, que se tornou a ilha dos seus amores. A deusa deu ao mundo as oito principais ilhas do Japão, depois os trinta e cinco deuses ou kamis, e entre estes Amaterasu, a deusa do Sol. Amaterasu resolveu suplantar todas as divindades que haviam governado o mundo, em favor de um menino nascido das jóias que lhe ornavam a fronte. O filho do sol desceu à ilha de Kiusiu onde, durante duas gerações, residiu a família imperial; depois do que, dois dos seus membros atravessaram o mar interior, guiados pela ave de oito cabeças e protegidos pela espada milagrosa. Conquistaram o Nippon central aos deuses e aos homens rebeldes. Um deles, Yware Hiko, cujo nome póstumo foi Jimmu Tenno, foi o primeiro soberano do Japão; morreu em 585 antes de Jesus Cristo; os seus descendentes ocupam hoje o trono.";
- e para não deixar dúvidas sobre a preferência de Wesceslau entre o Japão e a China, eis um comentário definitivo, "China é suja e monótona. Loti dizia o inferno amarelo.".
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