sábado, 11 de janeiro de 2014

História do Japão - os xogunatos - 1185 a 1868


Yoritomo Minamoto, o líder da casa Minamoto, inaugurou a época dos xogunatos. O seu foi o primeiro e ficou conhecido como o shogunato Kamakura, nome da região donde vinha, e durou entre 1185 e 1333. Em 1192 Yoritomo adquire o título de xogun. Pretende continuar militar e por isso entende que deve ter título militar. E é a partir do poder militar que irá exercer o poder político. Cria o bakufu, o governo militar. Ao contrário dos Taira, ele sabe que não se deve afastar nunca da estrutura militar que o apoiou. Por isso cria o bakufu, o governo militar, e não abandona Kamakura. Cria três gabinetes: um para reger as relações entre a família Minamoto e os seus samurai, outro para gerir as relações com a corte imperial e um outro ainda para tratar da gestão dos territórios que iam sendo conquistados e distribui-los. Yoritomo detinha um poder absoluto e em troca garantia a subsistência da corte, fazendo-lhe chegar os impostos / rendas. Estes não tinham poder, mas podiam subsistir e continuar a manter os seus rendimentos.
Com a morte de Yoritomo dão-se conflitos internos na família para a sua sucessão. Os seus descendentes mostram-se incapazes de seguir o seu forte legado. É, por isso, escolhida a família Hojo para exercer o poder. Estes não são os xoguns, antes uma espécie de regentes, e mostram-se competentes.
Mas a partir de 1260 o bakufu vai enfrentar uma série de problemas tanto internamente como externamente (invasões mongóis). Internamente verificam-se algumas mudanças na esfera social, económica e tecnológica que abanam o sistema dos shoen. E, sobretudo, conflitos na corte, com o imperador Godaigo a liderar um movimento anti-bakufu. Em 1331 este, determinado a recuperar o poder imperial, consegue a ajuda dos Ashikaga e restaura-lo entre 1333 e 1336. No entanto, esta era uma época de alianças frágeis e os Ashikaga deixam de apoiá-lo e dão golpe de estado.


Um novo período vem à tona, o do xogunato Ashikaga Muromachi, entre 1336 e 1573. Muromachi é o nome de um bairro em Quioto.
Mas nos seus inícios este período é designado por período das 2 cortes (entre 1336 e 1392), com uma corte a norte e outra a sul, em Yoshino, para onde Godaigo se tinha refugiado no sentido de esvaziar a legitimidade dos Ashikaga. Estes não perderam tempo em criar um novo imperador em Quioto. 
Todavia, os Ashikaga não conseguem impor a sua autoridade perante o país. O caos social é manifesto. Facto curioso, porém, é que em termos culturais este período foi vigoroso. A guerra trazia a necessidade de se criar momentos de refúgio e encanto, disso sendo expressão a cerimónia do chá ou o ikebana, o arranjo de flores. 
A instabilidade política e a violência persistiam. Os shugo, os governadores militares, passaram a deter o poder dentro dos feudos, começando já desde os tempos do xogunato Kamakura a exigir grande parte dos impostos. Com a Guerra Onin, entre 1467 e 1477 o xogunato perde o controlo do território e a relevância para os shugo, que vão tornar-se os daimio, os senhores regionais que detinham o absoluto controlo sobre o seu território e possuíam exércitos próprios. O Japão estava dividido em feudos e entramos no período dos Estados Guerreiros, ou Sengoku Jidai, com os daimio a lutarem entre si pela hegemonia territorial.

Até que a história do Japão passa a ser entregue a três grandes senhores: Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Ieyasu Tokugawa. Começa o período Azuchi Momoyama, entre 1573 e 1603, onde se faria a unificação do Japão.
A época era de grande instabilidade política, mas também de grandes oportunidades.


Nobunaga vinha de um feudo sem grande expressão, Owari, mas extremamente bem situado, no centro do Japão. A sua extrema capacidade de estratega militar é bem visível no plano que traçou em três passos: primeiro obter o controlo absoluto do seu feudo, eliminando a concorrência familiar, depois ser senhor do centro do Japão e, por último, ser senhor incontestado do Japão. Mas não obtém nunca o título de xogun, não só por não ter ligações familiares à família Minamoto, como por não ter ainda todo o Japão sob o seu domínio. Durante o seu percurso revela animosidade para com o budismo, defendendo que as instituições religiosas têm de ser apenas religiosas e não políticas ou militares. Fez uso das duas grandes importações da altura: o cristianismo e as armas trazidas pelos portugueses. Ao tentar controlar a ilha de Kyushu perde a batalha e acaba por suicidar-se. 


Hideyoshi consegue, então, sobrepor-se aos outros três regentes do neto de Nobunaga e vai seguir o projecto de expansão deste. Com política de alianças e conquistas consegue prosseguir o sonho de Nobunaga e unificar todo o Japão sob uma mesma autoridade política. Vai fazer uma ocupação territorial estratégica, redistribuindo terras consoante a sua riqueza e posição. É ele quem decide medir a riqueza das terras com base na sua produtividade, utilizando a unidade de referência koku. E é ele também que inaugura a política de reféns que mais tarde iria ser seguida pelo xogunato Tokugawa. Hideyoshi também não alcança o título de xogun, fica com o de kampaku, o de regente do imperador. A sua estratégia era a do terror preventivo, preferia mostrar a força. Após a sua morte (diz-se que acabou louco), Ieyasu Tokugawa impõe-se aos demais daimio que asseguravam a regência na menoridade do filho de Hideyoshi na batalha que ficou conhecida como Sekigahara, em 1600.


Estes três líderes tinham personalidades muito diferentes. Conta-se a piada que, face a um pássaro que se recusava a cantar, Nobunaga, o impulsivo, disse "eu mato-o se ele não cantar", Hideyoshi, o auto-confiante, disse "eu persuado-o a cantar" e Ieyasu, o paciente, disse "eu aguardo que ele cante".

Entrámos, assim, no xogunato Tokugawa, o último, entre 1603 e 1868.
Ieyasu assentou o seu bakufu em duas ideias: regulamentação e vigilância. Ao contrário de Nobunaga e de Hideyoshi, Ieyasu obtém o título de xogun. Descobriu uma qualquer ligação à família Minamoto e era senhor de todo o Japão. Com este título assegurou uma forte legitimidade. Faz de Edo (a actual Tóquio) o centro político do país, permanecendo Quioto como capital imperial. O shogun era o senhor a nível nacional e os daimio senhores a nível regional.
O seu primeiro objectivo era manter o controlo após um século de guerra civil. Inaugura o bakufu-han, o governo militar sobre os feudos, e a estrutura do seu governo assenta num rígido controlo dos daimios. Impõe-lhes um código de conduta, buke shohatto, regulando desde os seus casamentos, suas vestes, número de samurai que podiam ter, dimensões das embarcações que podiam construir, tudo para obter a disciplina dos daimio por forma a conter os seus ímpetos de revolta. Mas a política mais emblemática sobre os daimio foi o sankin kotai, ou assistência alternada, de acordo com a qual os daimio eram obrigados a passar parte do ano em Edo e lá deixar reféns elementos da sua família (mulheres e filhos). Esta política, aliás, tinha já sido delineada por Hideyoshi. Com isto fixava a atenção da classe governante na vida da capital e, em consequência, foi desenvolvida toda uma rede de transportes, comunicação e infra-estruturas. Edo cresceu e a urbanização despontava. Em uma ou duas gerações este sistema transformou os lideres militares numa aristocracia culta.
Havia também um código de conduta para com o imperador, que era remetido a funções meramente cerimoniais.


Ieyasu procedeu a uma política de re-distribuição das terras pelos daimio, no sentido de criar laços de vassalagem e alargar a sua base de apoio. Houve dois momentos essenciais: após a batalha de Sekigahara em 1600 e Osaka em 1615. Nesta última vence definitivamente a facção do filho de Hideyoshi. Ieyasu vai usar os feudos em torno do seu território para manter uma espécie de linha de segurança. Havia toda uma hierarquia de lealdades. Os daimio shinpan, ou daimio colaterais, possuíam uma relação de parentesco com o shogun. Os fudai daimio, ou casa do xogun, haviam sido por ele criados, logo a sua lealdade era fortíssima. Por fim, os tozama daimio, ou da casa exterior, eram a velha aristocracia, algo inimigos. Estes, apesar de serem dos mais ricos, eram deixados na periferia do poder - o que mais tarde serviu para a sua reacção, que ajudaria a dar um fim ao xogunato Tokugawa.   
Os Tokugawa definiram ainda toda uma hierarquia de classes. No topo da sociedade estavam os daimio e samurai, depois os camponeses e no fim os artesãos e mercadores. Havia ainda um grupo caracterizado como estando à margem da sociedade.
O grande objectivo era a promoção e manutenção da paz. A todos era exigido um contributo para alcançar esse objectivo, incluindo aos templos. Houve um investimento na educação, no sentido de formar os cidadãos para que aquele objectivo pudesse ser alcançado. Havia que procurar uma harmonia na sociedade, que perpetuar o passado, estando a ideia de progresso totalmente afastada. A ideologia neo-confucionista ganhava força, instruindo-se o cidadão para que pudesse dar um melhor contributo à sociedade. 
Em tempos de paz assistiu-se a uma transformação na classe guerreira numa elite burocrática, administrativa.
No século XVIII o xogunato começou a degenerar. Xoguns mais fracos delegavam demasiado poder no conselho de anciãos, dominado pelos fudai daimio. A relação entre xogun - daimio foi sendo abalada. Por outro lado, desde 1637, aquando da revolta de Shimabara, uma revolta dos camponeses contra a política fiscal do xogunato que foi transformada numa revolta a favor do cristianismo, o país havia ficado fechado ao mundo exterior. É a política sakoku, com o período da paz sustentada. Chegados ao século XVIII havia um desajustamento entre o sistema do xogunato e a realidade do Japão, quer a nível interno quer externo. A classe guerreira vivia em período de paz, o que provocou um afastamento da sua matriz original e da sua identidade, ou seja, desapareceu o elemento estruturante do xogunato que era o laço de vassalagem entre daimio e seus guerreiros. Houve, ainda, o desenvolvimento de uma dinâmica urbana, com o crescimento das classes mercantis urbanas. Mas foi a conjuntura externa que desencadearia o fim do xogunato Tokugawa. 
Em 1853 o Comodoro americano Matthew Perry chega à baia de Edo e impõe acordo que obriga à abertura do Japão e vai servir de modelo a tratados posteriores, todos humilhantes para o país. Os tozama daimio, aqueles que haviam sido remetidos para a periferia do poder, vão insistir que o xogunato perdeu a sua legitimidade de governar ao expor as fragilidades do país e ao perder a sua autoridade. Em 1867 dá-se um golpe de estado por parte de uma elite de daimio que colocam o imperador Meiji no poder. Em 1868 começaria, assim, uma nova fase do Japão, designada por Restauração Meiji e que haveria de transformar completamente o país.  
 

História do Japão - até ao início dos xogunatos ( -1185)

Até há relativamente pouco tempo pensava-se que o agora arquipélago do Japão era algo de vida recente, cerca de 4000 anos a.C. Todavia, estudos arqueológicos posteriores datam a vida no território até cerca de 35000 anos a.C.
O que havia então era uma península, daí que os habitantes se deslocassem facilmente desde o continente. Com o fim do período glaciar e correspondente subida das águas, por volta de 10000 a.C., deu-se a separação do continente e criação do arquipélago. Logo, os seus habitantes passaram a estar mais longe da influência continental e começaram a ganhar características próprias. Uma distinta cultura começou a ganhar forma. Nesse tempo, os ancestrais dos japoneses eram caçadores colectores itinerantes.   


Podemos definir como primeiro período o Jomon, de 10000 a 300 a.C. Jomon significa "padrão de corda", aludindo à distinta cerâmica desse tempo. Existem hoje vestígios não só de cerâmica como de utensílios vários deste período. As gentes viviam em cavernas, depois em cabanas de palha. Mas sempre em deslocação. Começa a observar-se uma certa organização familiar, que não política, em volta de 4 ou 5 famílias. Assiste-se ao longo do tempo a uma gradual sedentarização dos povos, sobretudo junto ao litoral, e a pesca começa a ser fonte de vida.


Segue-se o período Yayoy, de 300 a.C. a 300 d.C. Yayoy é o nome de um importante campo arqueológico perto do Tóquio. O que define este período é a introdução de duas inovações: o arroz e os metais. A introdução do arroz é o primeiro grande momento da história do Japão. Existem duas teorias acerca da chegada da cultura do arroz. Uma primeira, hoje deixada de lado, defendia que teria havido uma invasão estrangeira que a impôs pela força. Hoje é pacífica a corrente de que o que houve foi uma influência continental natural que levou a um desenvolvimento autónomo indígena. E porquê a relevância da introdução do arroz? Porque este permitiu que os povos se sedentarizassem de vez num território e, principalmente, que começassem a acumular riqueza. Com isso deu-se o aparecimento de classes com base na organização do trabalho e na posse do arroz e o início de formas de organização social e política.   Ao mesmo tempo, deu-se uma evolução tecnológica com a evolução no trabalho de metais. Estes eram utilizados no trabalho agrícola, mas não só. Também na prática de guerra, através do fabrico e uso de armas, e nos rituais religiosos, através da construção de sinos, por exemplo. Quanto à guerra, este período é também definidor da história do Japão, uma vez que ela seria uma constante ao longo de todos os tempos. De realçar que só uma comunidade organizada politicamente e ciente da sua identidade é capaz de fazer a guerra. Deste período Yayoy existem ainda evidências de sepulturas, mais um símbolo de estatuto que sugere a existência de uma estratificação social.

Começa a assistir-se a um constante conflito entre as comunidades. Estas vão ver famílias a organizarem-se em uji e aqui nascem as famílias tradicionais, os clãs. Os uji entram em contacto uns com os outros, fazendo alianças, e aqui o Japão vai ganhando alguma unidade. A Casa Imperial japonesa seria um destes uji que ganhou supremacia, quer económica quer militar.
A Casa Imperial japonesa é a construção de uma narrativa feita por um uji na sua ascensão. É uma espécie de mediação entre os mundos sobrenatural e real. Existia a crença na divindade da sagrada linhagem imperial do Japão. Esta casa vai dominar a região de Yamato.


E aqui surge, então, um novo período, o Yamato, entre 300 e 710. O seu nascimento está intimamente ligado ao culto de divindades locais (kami) dando a Yamato tanto funções sagradas como seculares. A Casa da Linhagem do Sol (casa imperial), por exemplo, tem uma legitimação não só material, mas também divina. Daí procurar a conciliação. É guerreira, mas também congregadora, de modo a tutelar todo o país através da protecção da deusa Amaterasu. A Casa da Linhagem do Sol reconhece legitimidade a outros uji para governarem localmente porque estes também reconhecem a sua legitimidade para governar superiormente. Há, assim, uma lógica de vassalagem e reconhecimento de legitimidades mútuas, uma característica que se manteria no Japão até quase aos nossos dias. Por outro lado, o poder da Casa da Linhagem do Sol é conseguido não só através da construção desta narrativa divina, mas também através da acumulação de riqueza e do contacto com reinos coreanos.
A organização social do estado de Yamato era composta pelos uji, os grandes clãs associados a grandes famílias cujo líder se afirma descendente de um kami, e os be, as comunidades agrícolas.
A partir do século VI começa a existir a necessidade de criar um estado poderoso ao estilo chinês, com o exercício do poder burocratizado através de uma administração, e o budismo vai ser o elemento que vai proporcionar este novo modelo. O reino coreano de Paekche, através do qual o budismo chegou ao Japão, vai enviar uma figura e um sutra budista e acrescenta que o budismo é  uma vivência cultural importante para a unificação do território. Todavia, no Japão havia um domínio do shintoismo. Daí que o budismo venha a ser patrocinado discretamente pela casa Soga, seus adeptos, mas com a figura do príncipe Shotoku por trás. Este pega no budismo como grande matriz cultural do Japão e dá ao território um novo nome: terra do sol nascente. Há uma sinização do Japão, quer através do budismo quer da lógica confucionista de harmonização do homem no seio da sociedade e de respeito pela figura imperial. Mas também através da administração. Assim, em 645 aparece a Grande Reforma Taika, por intermédio do príncipe Naka, e em 702 o Código Taigo, por intermédio do príncipe Temmu, essencial para o crescimento do estado burocrático de Nara.


Estava pois, a entrar-se num novo período, o Nara, de 710 a 794. Nara, a nova capital foi modelada à imagem de Chang'an, então capital dos Tang, dinastia chinesa. A influência da China era evidente. E propositada. Era necessária uma administração burocratizada e centralizada, já não através da lógica de vassalagem e parentesco ou de invocações mitológicas shintoistas. Agora a lógica que deveria imperar era a de súbditos - trono imperial. Foi criada toda uma ética confucionista de obediência ao imperador e para isso foi criado um sistema educativo que formasse os funcionários nesse sentido. O sistema de exames era parecido com os chineses, mas havia uma diferença profunda. Na China o sistema de exames permitia uma certa mobilidade social, mas adaptado à realidade japonesa este iria servir para enquadrar os elementos das grandes famílias e o sistema de exames era lhes reservado.
Estas grandes famílias foram patrocinando a construção de templos budistas e colocavam lá os seus elementos. Foi, assim, desenvolvido um sistema de templos budistas e a atenção virou-se primeiramente para ritos para proteger o estado. No entanto, os templos passaram a acumular terras e, para além da importância económica, os monges ganharam influência política. Tal não passou a ser visto com bons olhos.


O período Heian, de 794 a 1192, é uma consequência do período Nara, da lógica de privatização da administração imperial pelas grandes famílias. Havia que libertar a Casa Imperial desta pressão dos templos budistas, da quantidade de privilégios atribuídos ao budismo, daí a criação de uma nova capital, Heian (hoje Quioto). Os templos ficariam fora da cidade. Deveria haver um espaço administrativo e político, dentro da cidade, e um espaço religioso, fora da cidade. As famílias da corte decidem, assim, reconfigurar a sua relação com o budismo e este deveria passar a ser menos secular e mais preocupado com o religioso e o metafísico. Enfim, uma vivência mais espiritual. É deste tempo a introdução de duas novas correntes do budismo, o shingon (ligado ao lotus sutra) e o tendai (ligado ao tantrismo). Este investimento em escolas budistas mais meditativas pretendia evitar os perigos de uma interferência na política. Os templos seriam mais abertos à sociedade, a elementos mais humildes. 
Todavia, não sendo já patrocinados pelo poder político, os templos vão passar a adquirir terras e a competir entre si. Para a sua sobrevivência passam a ter exércitos privados.
As grandes famílias entram numa lógica de influências, com controlo da corte imperial. As suas propriedades vão ganhando isenções fiscais e até imunidade judicial. Isto porque elas governavam em seu próprio benefício. Os seus territórios, os shoen, passam a ser espaços independentes do poder central. 
A família Fujiwara é a mais destacada deste tempo em que o país deixa de ser governado por uma administração central para passar a ser governado por uma corte. Através de políticas matrimoniais, casando as suas filhas com elementos da casa imperial, a família Fujiwara conseguia garantir que as mães dos imperadores fossem suas. Até os imperadores atingirem a maioridade havia um regente Fujiwara (sesho) e mesmo com imperador adulto eles continuavam regentes (kampaku).
No século X, todavia, começa a sentir-se um declínio na eficácia do poder do governo central. Dão-se rebeliões e cisões internas. Go-Sanjon, o primeiro imperador em 170 anos que não tinha mãe Fujiwara, tenta restaurar o poder imperial e começa por proceder ao exame da legalidade dos shoen. Compra uma guerra com os Fujiwara e acaba por inaugurar uma política que viria para ficar: a política de abdicar e manter a influência, uma vez que detinha o poder de designar o seu sucessor (política insen).
Não obstante, assiste-se a uma nova fase, a do Japão feudal, governado por feudos, e a emergência de vários poderes regionais. A burocracia estava na capital, e as famílias nas províncias. Famílias que se tornam casas militares que vão dar origem aos xogunatos, num processo lento de militarização. A casa imperial vai ficando cada vez mais dependente destas forças de segurança regionais. No século XII, após uma disputa entre duas facções da casa imperial, em que cada uma chama uma destas casas militares para os proteger, emergem os Taira e os Minamoto. A facção dos Taira vence e estes acabam por tomar o poder. Mas este vão transformar-se numa aristocracia civil de corte, imitando os Fujiwara e esquecendo as suas origens militares e a sua base de apoio. Nada mudam na administração, apenas se deixam absorver por ela. Na guerra Gempei, entre 1180 e 1185 os Taira e os Minamoto encontram-se novamente e desta vez são estes últimos a vencer. 
Surge, então, uma nova época, em que os laços de vassalagem ganham destaque. Os guerreiros eram fiéis ao seu senhor porque sabiam que teriam a sua recompensa. A guerra passou a ser um modo de vida e as aristocracias regionais tornam-se as aristocracias de poder.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Camp 14 - Total Control Zone


Este documentário de Marc Wiese, de 2012, é uma co-produção da Alemanha e da Coreia do Sul.
Mostra-nos a vida de um norte coreano nascido num campo de trabalho da Coreia do Norte que com 23 anos dele conseguiu fugir, sem que soubesse nada acerca da vida no seu exterior. Existe também um livro / biografia sobre o assunto.
Os seus pais casaram no campo, não porque tivessem sentido algo um pelo outro, mas tão simplesmente por determinação dos guardas. Tiveram dois filhos. 
O rapaz biografado no filme, Shin Dong-Huyk de seu nome, vai-nos falando sobre a vida no campo, o sentimento que nutria pelos pais e irmão, o dever de obediência para com as regras no campo. Ao mesmo tempo, ouvimos também declarações de guardas que, obviamente, hoje não estão mais na Coreia do Norte.
Primeiras constatações: depois de levadas para um campo de trabalho as pessoas deixam de ser tratadas como seres humanos, passam a ser como animais. A comida servida é sempre a mesma, todos os dias, e em quantidades pouco generosas. Motivos para se ir preso (melhor dizendo, para se ir mais preso ainda, género metido numa solitária) e ser torturado são aos magotes, como o simples facto de enrolar um cigarro em papel de jornal e não se aperceber que este tinha uma foto do líder. 
Há um certo dia em que o rapaz biografado vê e ouve a mãe e o irmão a falarem, ela a dar-lhe uma ração extra de comida que tinha guardada, combinando um plano de fuga. O rapaz delata-os e estes são executados, no cumprimento das regras do campo.
Anos mais tarde, passados já tempos de liberdade e num mundo dito normal, o rapaz diz não ter sentido nada a ver a mãe e o irmão serrem executados, porque não tinha a noção do que é ter uma família, dos sentimentos que lhe estão associados. O nascimento e toda uma juventude e entrada de adulto vividas no campo haviam-lhe negado isso. Diz hoje que não sabe sequer se eles tinham mesmo intenção de fugir, que o que sabe é que a culpa é da mãe, que tinha violado as regras do campo. E diz hoje, ainda, que aprendeu entretanto que é suposto chorar quando se perde a mãe, mas que até aí o que tinha aprendido é que era suposto relatar a desobediência, caso contrário é que agiria mal.
Também nas declarações dos guardas observamos uma ausência de culpa. Estavam a proteger o país e até ganhavam uma ração extra de comida e álcool. 
Depois de ver parte da família executada e de ter sido torturado, conhece um homem no campo que lhe conta histórias sobre comida. Começa a pensar em fugir e com a sua ajuda consegue-o. Diz hoje que não era o desejo de liberdade que o levou a fugir, mas tão somente o desejo de comer um pedaço de galinha e arroz.
Vivendo agora na Coreia do Sul, vinca o contra-senso desta nova vida de suposta liberdade, comparando a sua vida actual à anterior no campo: agora está pior, porque a falta de dinheiro condiciona a vida das pessoas. Em conclusão, da Coreia do Norte sente falta da inocência e da falta de preocupações que tinha. Aí tinha um coração puro, era naive, não tinha de pensar em nada, nem no poder do dinheiro nem em resolver problemas pela falta dele. 
Já tínhamos a "banalidade do mal". Poderemos agora designar isto como a banalidade do absurdo?

Ip Man

Ip Man entrou para a história como mestre do kung-fu e mentor de Bruce Lee.
Não é, de todo, as artes marciais que me atraem nos dois filmes que vi sobre Ip Man. 


O primeiro que vi, levando o nome do mito, de 2008, tem cenas de luta que encantarão os adeptos dos filmes de acção. Mas tem, sobretudo, muito enquadramento histórico.
Ip Man nasceu ainda no século XIX, época em que os manchus governavam a China. Passou pela guerra civil entre nacionalistas e comunistas. Pior, assistiu à cruel invasão dos japoneses na década de 30. Bem nascido, passou fome, mas neste filme mostra que não se rendeu ao domínio japonês. Depois acabaria por rumar a Hong Kong, onde acabou a sua vida.


Neste (que já se foi) ano de 2013 estreou o muito aguardado novo filme de Wong Kar-wai. E qual a temática do mestre da melancolia? Precisamente Ip Man. O Grande Mestre foi, para mim, no entanto, uma desilusão. A estética wongkariana está lá toda, as lutas são de uma beleza suprema, com os pingos da chuva a desempenharem um papel de actor principal. Mas onde falha, para além de me ter deixado confusa, é precisamente no enquadramento histórico, onde o realizador claramente não quis entrar, apenas passando pela rama. 

Por isso, aí temos: para quem quiser entender a vida de Ip Man é ver o filme de mesmo nome, dirigido por Wilson Yip; quem quiser ver cenas bonitas é ficar com O Grande Mestre, de Wong Kar-wai.