Os americanos, e outras potências ocidentais, forçaram a abertura do Japão, que sob os Tokugawa se tinham mantido fechados ao mundo exterior por mais de dois séculos. Então, a partir de 1868, vamos assistir a um abraço japonês à ocidentalização e modernização.
Uma elite de daimio iria guiar o país sob a capa de um golpe de estado que pretendia a restauração imperial. Meiji era o nome do novo imperador. O slogan era "reverência ao imperador e expulsão dos bárbaros". Foi apresentado um programa de desenvolvimento, um novo modelo de sociedade, o qual constituía uma estratégia de progresso para o Japão. Mas a estrutura de governo mantém-se e a abertura na realidade não existe, nem uma aproximação aos cidadãos. O poder autoritário e autocrático continuaria, agora nas mãos de uma elite de poder que até aí havia estado na periferia.
No entanto, foram tomadas algumas medidas novas, como a abolição dos han (os feudos), a extinção da divisão entre as classes, a formação de um exército nacional e a adopção do serviço militar obrigatório. A criação de uma constituição e da Dieta (o parlamento) foram apenas instrumentos que tinham por missão atenuar alguma da pressão social que começava a emergir, não eram verdadeiras reformas.
Havia, sobretudo, um grande pragmatismo, a noção de que o ocidente estava mais desenvolvido do que o Japão porque tinha evoluído tecnologicamente e cientificamente. Com efeito, a importação de padrões ocidentais não teve que ver com qualquer fascínio, antes com um reconhecimento da superioridade ocidental. Coisa nunca vista, logo a seguir à Restauração Meiji um governo inteiro foi enviado para o ocidente em busca de conhecimento. Havia a noção da irreversibilidade da modernidade, da ocidentalização. Logo, o slogan "reverência ao imperador e expulsão dos bárbaros" foi pragmaticamente substituído pelo "modernizar o país e fortalecer as armas".
Os japoneses foram, assim, o arauto da modernização no espaço asiático, e viriam depois a legitimar aí um discurso expansionista. A figura do imperador possuía um papel central e mítico, uma vez mais. Era feita a apologia da sua figura de imperador como sagrado e inviolável. Esse iria ser, precisamente, uma contradição no constitucionalismo japonês aos olhos ocidentais.
Um édito de 1892 veio dizer que todo o esforço de educação deveria ser levado a efeito para servir o imperador e, assim, o Japão, e não para se valorizar a si mesmo. A ideologia kokutai, esta forma de formatar o indivíduo para que todo o esforço na sociedade fosse para servir o imperador, estava em marcha.
Os líderes Meiji começam a convencer-se de que a rivalidade e a concorrência entre as potências e os impérios eram um motor para o desenvolvimento e, assim, iniciaram os seus desejos de entrar em confronto com outras potências. Primeiro havia que eliminar a rival China, no sentido de se tornar a maior potência asiática. A China, em finais do século XIX estava extremamente debilitada, saída das guerras do ópio com os britânicos e cheia de rebeliões internas, dai que no confronto sino-japonês de 1894-95 o Japão saísse vitorioso. O pretexto que estes usaram para o ataque foi a suposta excessiva influência que os chineses tinham sobre a península coreana. Em consequência da vitória japonesa, é criado um estado fantoche pró-japonês na Coreia e os japoneses ganham Taiwan. Foi o resultado do belo tratado de Shimonoseki, um item mais no extenso rol das humilhações chinesas do século XIX.
A verdade é que o domínio sobre a Coreia permitia ao Japão o acesso a matérias primas como o carvão e o aço, fundamentais para os planos expansionistas japoneses. Com a vitória sobre a China está deixa de ser o paradigma civilizacional e político para o Japão. Agora derrotada por um Japão industrializado e militarizado, a China não tem lugar neste mundo moderno que se está a criar, pensaram os japoneses. Na senda da prossecução do seu papel messiânico, levando a civilização ao mundo asiático, o Japão enfrenta a Rússia - e vence - no início do século XX. Pela primeira vez passa a ser visto pelas potências ocidentais não como uma potência asiática, mas como uma potência mundial, levando os seus avanços a preocupações. O Japão é forçado a assinar tratados que o refreiam no uso da força. Tratados uma vez mais humilhantes. Assiste-se a um crescente nacionalismo.
Mas em 1912 o imperador Meiji morre e surge uma nova época, a Taisho. As exigências que se apresentaram então ao novo imperador eram maiores, quer externa quer internamente. A nível externo esta época coincidiu com uma retracção das potências, uma vez que o contexto era o da I Grande Guerra Mundial. Verificou-se uma pausa no expansionismo dos impérios ocidentais. O Japão estava num processo e ritmos completamente diferentes, mas vamos assistir igualmente a uma retracção na expansão do império japonês. Não por razões externas - o contexto era-lhe favorável -, mas por questões internas. A sociedade japonesa era agora industrializada e urbanizada. A população havia aumentado. A pequena oligarquia começa a ter dificuldades de governar neste novo contexto sócio-político onde emergem agora grupos de interesses ligados à indústria, associações políticas, cívicas e sindicatos. A abertura à modernidade e à ocidentalização trouxe consigo os ideais modernos e ocidentais. Importava agora gerir estes grupos de interesse desta sociedade multifacetada, evitando criar descontentamento. Assim, este período Taisho é como que uma janela de calma em meio a um século de guerra. A opinião popular tornou-se contra a militarização do estado e, pode dizer-se, este foi um tempo de democracia florescente, onde mais partidos políticos emergiram, bem como uniões de trabalhadores, greves, ideias liberais, sufrágio universal para homens com mais de 25 anos, enfim, uma sociedade japonesa cada vez mais consciente dos seus direitos.
A prioridade do regime Taisho era, assim, as questões internas, e não as políticas expansionistas. Era colocada mais ênfase nas políticas de cooperação internacional e não nas de agressão. Houve um corte nas despesas militares, com redução de armamento e limitação da sua presença militar no Pacífico. Em 1926 o Japão entra na Sociedade das Nações, ainda que não consiga fazer passar uma cláusula de igualdade racial, o que não foi nada bem recebido em casa, com protestos e sentimento de injustiça. O Japão ainda não era visto como um igual. Ser moderno parecia não chegar, havia que manter a identidade.
Este pacifismo a que se assistiu na década de 1920 levou a uma tensão com as elites militares, que consideravam que o esforço de construção de um império estava posto em causa. Na década de 1930 as forças militares vão, então, tentar retomar o poder. Emergem grupos ultranacionalistas e sociedades paramilitares. Para agravar, tudo isto coincide com uma degradação do regime parlamentar e partidário. O sentimento da sociedade é que este regime havia ficado aquém das exigências e expectativas dos cidadãos, levando a insatisfação entre a população. Assiste-se a um gradual afastamento entre a população e o regime parlamentar partidário. Este regime teve ainda uma falha que lhe foi fatal: a sua relação de hostilidade para com o aparelho militar. Com efeito, com a redução do efectivo militar existiam muitos oficiais sem ninguém para comandar. Foram então colocados a dar aulas / formação em academias militares, onde tiveram a oportunidade de passar aos seus formandos toda uma ideologia nacionalista, fazendo a apologia do grande Japão. Daqui saíram uma série de jovens militares japoneses que formaram grupos de acção directa que destabilizaram internamente a sociedade, perturbando-a, levando à declaração da lei marcial.
Entendido que o parlamentarismo tinha os seus defeitos e que a democracia não conseguia responder aos problemas sociais, só um regime autoritário e militarizado serviria. O Japão teria de retomar a sua pujança e seguir o caminho do imperialismo. O exército começa a ser visto como o único elemento de ordem na sociedade e o único que pode salvar o país do caos em que se encontrava. Para isso muito contribuiu o facto de o poder militar ter autonomia face ao poder político, garantida pela constituição de 1889.
Eram tempos da Restauração Shoa, em que a educação vai ser usada como um mecanismo de fortalecimento de uma forma de nacionalismo centrada na figura do imperador. O imperador era agora Hirohito, e a ele competia-lhe, nesta segunda restauração imperial, reiniciar a expansão imperial. A necessidade de matérias primas levou à opção pela ocupação de territórios fundamentais para o crescimento e expansão do Japão. É neste contexto que acontece o Incidente da Manchuria. O Japão tinha assegurado o controlo dos caminhos de ferro do sul da Manchuria, considerados necessários para a deslocação de mercadorias. Há um atentado a uma destas linhas, impedindo a circulação, e o Japão hiperbolizou este incidente dizendo que a China havia tentado perturbar os interesses japoneses. Há quem defenda, no entanto, que este atentado foi criado pelo próprio exército imperial japonês, no sentido de ser colocada a culpa nos chineses, e dai desenvolvido um pretexto para se agir. Os japoneses decidem, então, invadir e ocupar a Manchuria e em 1931 é criado o estado fantoche Manchukuo. Prosseguindo um pensamento estratégico, a economia planificada é experimentada aplicar aí. É criada a ideia de que o Japão pode subsistir por si só e, em consequência, em 1932 o Japão retira-se da Sociedade das Nações, assumindo que irá garantir a paz em toda a Ásia e levar o desenvolvimento até ela, sendo o Japão o interlocutor asiático com o mundo ocidental. O messianismo mostrava-se novamente.
O exército controlava o governo, havia uma total militarização do governo e um autoritarismo crescente na sociedade japonesa. Aos japoneses era-lhes requerido que mostrassem a sua unidade nacional. Deu-se uma repressão sobre as liberdades individuais.
Em 1937 o Japão entra em guerra com a China, tendo acontecido o massacre de Nanquim (existem diversos filmes sobre o tema, como o Nanjing! Nanjing! e as Flores da Guerra, por exemplo). O exército japonês conseguiu ocupar rapidamente importantes territórios chineses, instalando o terror e perturbando a sociedade chinesa. Mas estes não declaram a derrota, pese embora o avanço fulminante e altamente destrutivo dos japoneses. Uma desgastante guerra de guerrilha teve lugar, bastante lesiva em termos monetários para ambas as partes.
Aos japoneses continuava a ser pedido todo o esforço der guerra, a causa devia ser colectiva e única. Os partidos são ilegalizados e é criado uma única entidade, a Associação para a Assistência da Autoridade Imperial, com função de coordenação e todo o esforço de guerra e vigilância das vozes contrárias na sociedade civil. O estado totalitário era já uma realidade.
A fase que se seguiria seria o tão desejado confronto com os Estados Unidos da América.
O Japão teve uma ascensão impressionante, com uma expansão no Pacífico que fazia com que os americanos tivessem de dividir a sua atenção entre esta região e a Europa. Os americanos iam sendo empurrados para a guerra pelo Japão. Nos EUA a opinião dividia-se entre aqueles que defendiam que o país deveria ter uma política não activa, de espera e prudência (tese pacifista), e os outros que defendiam que perante um império ameaçador e totalitário como era o do Japão não se deviam fazer cedências, pelo que se deveria reagir imediatamente. No entanto, há que realçar que a política de contenção era benéfica para as indústrias americanas, sobretudo do aço e petróleo, centrais ao esforço de guerra japonês. Ainda assim, os americanos viram-se forçados a intervir e tomaram a decisão de decretar embargo ao Japão, sufocando-o pela ausência de matérias primas, até que os japoneses colocassem de lado as suas ideias expansionistas. O Japão faz ultimato aos americanos para que cessem o embargo, retomando o tratado comercial que os unia, para além de exigir que reconheçam a sua hegemonia asiática até 1/12/1941. Ao mesmo tempo, começam a esboçar um plano de guerra.
Como os americanos não cederam, em 7/12/1941 dá-se o ataque surpresa a Pearl Harbour e a guerra tinha o seu início. Os japoneses começaram por ter o domínio, mas em Junho de 1942 o sentido da guerra começa a mudar. Perdem os seus dois maiores porta aviões em Midway e têm novo revés em Guadalcanal.
Em 1944 os americanos conseguem aceder às ilhas Marshall e em Março de 1945 controlam Iwo Jima (ver filme de Clint Eastwood). A 10 de Março de 1945 dá-se o bombardeamento de Tóquio que causou um imenso desgaste na população japonesa que não terá sido inferior ao das bombas atómicas que se seguiriam em Agosto - Hiroxima no dia 6 e Nagasaqui no dia 9.
A 15 de Agosto de 1945 o Japão rende-se, através do célebre discurso do imperador Hirohito, o qual haveria de justificar a guerra com o argumento da preservação da paz, que o império japonês teria servido para levar a paz ao mundo asiático, para o seu desenvolvimento. Mais uma vez, o providencialismo japonês em evidência.
Facto curioso, que demostra todo o sentimento de missão dos japoneses, desde há muito baseado nos códigos de honra dos samurai, foi o de que muitos recusaram acreditar que o Japão tinha perdido a guerra. Exemplo recentemente falado foi o do soldado Ononda que viveu quase três décadas na selva filipina depois da rendição, recusando-se sempre a acreditar nela. Outro exemplo é nos mostrado no filme brasileiro Corações Sujos, de 2011, acerca da mesma recusa por parte da comunidade japonesa no Brasil, atribuindo as notícias da rendição a propaganda americana.
A partir da derrota na guerra o Japão teria de tomar um novo rumo, enquadrando-se num mundo dominado pelos americanos. O objectivo passou a ser transformar o Japão numa potência económica, que pudesse até rivalizar com os americanos. E acabou por o conseguir nos anos 80. A expansão continuava, mas agora não era política, era antes económica.
Os americanos fizeram questão na desmilitarização do Japão (que parece agora, em 2013/2014, voltar à cena) e em que o imperador renunciasse ao seu estatuto divino. Os hábitos de consumo alteraram-se e deu-se uma americanização da sociedade. O cinema foi um instrumento essencial para passar o "american way of life". Assim, o contexto nacionalista estava ausente e o estado imperial extinguiu-se. O estado não era mais uma imposição sobre os cidadãos; agora era por eles legitimado.
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