domingo, 16 de fevereiro de 2014

A China Qing a partir das Guerras do Ópio - 1840 - 1911


No século XVIII a questão da balança comercial negativa para os chineses vai alterar-se radicalmente com o comércio do ópio. Esta substância já era conhecida desde o tempo dos Tang, mas era utilizada para efeitos medicinais, e não como vício e euforia narcótica. O que é facto é que a utilização do ópio juntamente com o álcool e tabaco vai ser moda entre os Qing (entre as suas elites?). E a prata vai deixar de afluir grandemente. 
Os britânicos sabiam que o comércio deste produto era moralmente repreensível, mas nem por isso deixaram de o fazer. Os Qing, por seu lado, tentaram proibir este comércio. Em 1838 debateu-se a questão do ópio entre os chineses e a facção moralista venceu. O comissário Lin Zexu (diz-se que terá enviado carta - nunca recebida - à rainha Victoria alertando-a, precisamente, para a moralidade da questão) foi enviado a Cantão e este decidiu apreender todo o produto e destruí-lo. Os britânicos, considerando-se ofendidos e considerando ainda que seus cidadãos haviam sido abusivamente presos, declararam guerra aos chineses, naquela que ficou conhecida como a primeira Guerra do Ópio, com a vitória dos ocidentais. Em 1842 é assinado o Tratado de Nanquim, aquele que é considerado como o primeiro dos tratados desiguais e que serviria de modelo para muitos outros. Com ele ficou fixada a cedência de Hong Kong aos ingleses, o estabelecimento de uma indemnização, a abertura de mais quatro portos e a residência aí de súbditos britânicos, relações de reciprocidade e a chegada ao fim do sistema de Cantão. No ano seguinte, em adenda, estabelece-se ainda a extra territorialidade, segundo a qual os cidadãos britânicos apenas podiam ser julgados no seu país, e o estatuto de nação mais favorecida para os britânicos, o que comprometia grandemente a autonomia diplomática chinesa.
Como se os britânicos não apreciassem, mesmo assim, o andamento do comércio e a proibição de penetração de estrangeiros pelo interior da China, em 1858, após a segunda Guerra do Ópio, é assinado o tratado de Tianjin e depois a Convenção de Pequim. Fica assim consumada a cedência de Kowloon aos britânicos, a abertura de mais onze portos, a liberdade de religião na China e a legalização do comércio do ópio.


Para além da pressão dos ocidentais, a China Qing teve ainda de lidar com diversas rebeliões a nível interno. Os motivos para a emergência destes rebeldes eram a corrupção, a má administração e problemas económicos e monetários. Para a história já havia ficado a rebelião do Lotus Sutra, na passagem para o século XIX, devastadora e da qual se diz que os Qing nunca recuperaram totalmente. Mas os meados do século XIX seriam palco de três grandes rebeliões. Várias muçulmanas, entre 1855 e 1873, como resposta a uma cada vez maior discriminação oficial dos muçulmanos. A repressão a estes movimentos foi tão feroz ao ponto da população muçulmana no Yunnan, um dos palcos, reduziu para menos de metade. Outra rebelião séria foi a rebelião Nian, entre 1851 e 1868, com origem no norte do Anhui e associada à seita do Lotus Branco. Era constituída por diversos grupos rebeldes e liderada por um antigo caudilho traficante de sal. Este movimento não tinha outra ideologia que não a de tirar aos ricos para dar aos pobres, dedicando-se mais às pilhagens. 


Pelo contrário, a rebelião Taiping possuía uma forte carga ideológica e entrou para a história como um dos maiores movimentos revolucionários. Entre 1850 e 1864 a China ver-se-ia dizimada por este movimento liderado por Hong Xiuquan, um hakka que após conhecer um missionário cristão passa a considerar-se como o irmão mais novo de Jesus Cristo. Deflagrada no sul da China, no Guangxi, rapidamente se concentrou em Nanquim. Imbuída num forte sentimento manchu, elabora a sua própria doutrina religiosa, um sincretismo entre cristianismo e aspectos chineses. Consegue reunir à sua volta uma série de descontentes, reúne exércitos de cerca de 700 mil homens, em 1853 entra em Nanquim e no seu apogeu domina mais de 30 milhões de pessoas. Eis algumas das reformas do então criado Reino Celeste da Grande Paz, Taiping Tianguo: instituição de milícias de camponeses, abolição da propriedade privada e nacionalização da terra para posterior distribuição do estado (por isso que os Taiping eram tão do agrado dos marxistas e viriam a ser apropriados como bandeira do partido comunista chinês no século seguinte), declaração de uma sociedade sem classes e com igualdade entre os sexos, interdição do consumo de ópio, álcool e tabaco, jogo e prostituição. 
Os Qing conseguiram, por fim, por termo a esta rebelião, mas, ironicamente, tiveram para tal o apoio dos ocidentais. Apesar de todas estas rebeliões, nenhuma delas consegue acabar com a dinastia Qing, embora tenha contribuído para a sua debilidade. Apesar de ser usual dividir a história Qing em períodos antes e depois da Guerra do Ópio, estas rebeliões foram muito mais gravosas para a população. Algumas regiões foram dizimadas e as populações morreram ou migraram. A reconstrução custou dinheiro considerável e a economia ficou mal e o comércio ao longo do raio Yangtze foi bastante afectado pela guerra.

À entrada da década de 60 do século XIX a dinastia e o império pareciam estar próximo do fim. No entanto, durariam ainda mais meio século. Nessa década surgiria um movimento de reformas que ficou conhecido como "auto fortalecimento", o qual defendia a aprendizagem da tecnologia evoluída do ocidente, enviando para isso estudantes ao ocidente no sentido de adquirirem conhecimento. Aplicariam a tecnologia ocidental, mas mantendo, no entanto, os valores chineses, que consideravam superiores. Esta tecnologia era mais a nível industrial, meios de comunicação como caminhos de ferros, extracção mineira, uma modernização a nível militar e naval. 

Mas este auto fortalecimento não atingiu os objectivos pois em 1895, em decorrência da guerra sino-japonesa, com vitória clara destes últimos, foi assinado o Tratado de Shimonoseki, um marco no imperialismo na Ásia Oriental, momento pelo qual se marca o desmoronar do império chinês (e, em contrapartida, a emergência do império japonês). Com este tratado a Coreia deixa de ser estado tributário dos chineses, para passar a ser um protectorado japonês. E os japoneses obtém ainda Taiwan e a península de Liaodong. Aqui vai estar um problema, pois começa a intervenção tripartida - Rússia, Alemanha e França - reclamando desta concessão do Liaodong. Rússia exige concessões semelhantes, britânicos obtêm os Novos Territórios, Alemanha Qingdao, enfim, várias nações conseguem obter importantes territórios e o império Qing fica fragmentado. Gradualmente, alguns membros das classes mais instruídas foram compreendendo que a força das nações ocidentais não estava apenas na tecnologia militar. Antes, os seus sistemas sociais e governamentais também lhes conferiam vantagens. Em consequência, difundem-se novas ideias políticas e começa a vingar a ideia de que as instituições políticas e a burocracia chinesas estavam obsoletas. Os "cem dias de reforma", em 1898, ficou conhecido como um movimentos em que Kang Youwei e Liang Qichao defenderam reformas radicais no sentido de levar à modernização da China. O paradigma era, de certa forma, a reforma Meiji do Japão. As medidas defendidas eram, entre outras, a inclusão de estudos ocidentais na educação chinesa, o envio de chineses para o estrangeiro, a reforma do sistema de exames, a modernização e ocidentalização do aparelho burocrático imperial, a modernização do exército e o estabelecimento de assembleias locais eleitas. Esta a reposta das elites ao imperialismo. No entanto, os conservadores manchus, entre os quais Cixi, a imperatriz regente, deram golpe de estado e voltam ao poder (haviam fugido).


A resposta nativista ao imperialismo veio pela Revolta dos Boxer, movimento camponês anti-estrangeiro, anti-imperialista e anti-cristão e influenciado pela tradição de sociedades secretas. Não tinham projectos reformistas e, até, guiavam-se pelo lema "apoio aos Qing, destruição dos estrangeiros". Eclodiu na região de Qingdao, onde os alemães estavam, e assistiu-se à destruição de igrejas e ao ataque a missionários. Estendem o seu foco de acção e entram em Pequim. No entanto, as tropas Qing vão ter um comportamento ambíguo e vão antes tolerar os revoltosos e não suprimi-los. Só quando são chamadas tropas estrangeiras para intervir - uma vez que o bairro das legações em Pequim tinha sido atacado - é que Cixi clarifica sua posição e ordena que fossem apoiados os Boxers contra os estrangeiros. Assistiu-se a uma enorme brutalidade, com saques e incêndios em Pequim. Chineses capitulam e - hei-lo - vem mais um tratado desigual a caminho, o Protocolo Boxer de 1901, com mais humilhação e indemnização a pagar pelos chineses. A soberania Qing fica extremamente debilitada e daqui para a frente emergirá um sentimento nacionalista e ideais modernistas que irão levar à queda da dinastia e do império e à instauração da república em 1912. Destaque para o papel de Sun Yat-sen, o emigrado que conseguiu reunir à volta da sua Aliança Revolucionária (mais tarde o Guomindang, o Partido Nacionalista do Povo) muitos partidários.

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