terça-feira, 11 de novembro de 2014

Genji Monogatari - O Romance de Genji

Uma das mais celebradas obras literárias de todos os tempos, por muitos referido como o primeiro romance do mundo, o Genji Monogatari foi escrito no início do século XI por Murasaki Shikibu (ou, pelo menos, a ela se atribui esta obra).
Nessa altura vivia-se a época Heian no Japão, uma das mais requintadas e iluminadas. Também a literatura viveu nesta época uma verdadeira explosão, expressando-se os autores sob diversas formas e, mais interessante ainda, as mulheres tinham também a oportunidade de o fazer. Claro que as letradas eram mulheres da corte, que viviam fechadas, daí que o género que mais relevo teve foi o dos diários - os nikki.
No entanto, mais interessante e incrivelmente, esta época Heian legou-nos o referido Genji Monogatari, escrito por uma mulher da corte que nos deixa a pensar como poderá ter experienciado tanto na sua vida para nos contar o que conta (um pouco à semelhança da Emily Bronte no seu O Monte dos Vendavais, mas a lady Murasaki uns quantos séculos antes). 
A história é a dos amores de Genji, o filho de um imperador com a sua concubina preferida. A sua mãe morre cedo e ele gravita na corte, sendo por todos admirado, quer pela sua beleza como pelo seu temperamento.

Da leitura do Genji fica a dúvida: era ele um sedutor ou um predador? 
A figura do Genji lembrou-me o Petchorin de Lermontov no seu "Um Herói do Nosso Tempo". Mas ao invés deste último, o Genji não parece ter quaisquer pudores nos seus amores e na forma como age com as mulheres. Petchorin, esse, ao menos confessava que as suas amantes ao fim de um tempo o passavam a entediar e, por isso, os as tratava de forma desagradável ou as abandonava pura e simplesmente. Murasaki, por seu lado, faz questão de nos dar a ler e ver que o seu príncipe garantia a atenção até ao fim dos seus tempos a qualquer mulher a quem tinha catrapiscado, bonita ou feia (se bem que o que interessava então era mais se a caligrafia das damas era distinta). Mas isso, aos tempos de hoje não chega, é peninha, não é amor, nem sequer respeito. Ou seja, Petchorin era declaradamente mau e sem escrúpulos, mas Genji parece igualmente egoísta e vaidoso, um cínico. Ponto.


Voltando ao livro Genji Monogatari, à volta da corte Heian é-nos contado como se entretinham os homens e as mulheres. Estas não saíram dos espaços privados. E não falavam de política. Aliás, a dado passo, quando diz que fulano vai tomar o poder, a autora escreve mesmo que pede desculpa por estar a entrar nesse tema que não é para mulheres. 
Os temas acerca do qual gira o Genji Monogatari são a caligrafia, a composição de poemas, a contemplação da natureza, a impermanência das estações (tema caro aos japoneses ao longo da sua história) e passatempos como a arte de manejar o pincel, de jogar o go, de tocar koto, flauta e alaúde. Requinte, em resumo.


Alguns exemplos:

"A manhã do primeiro dia do Ano Novo anunciou-se esplendorosa, sem uma única nuvem à vista. Em todos os jardins. Dos mais humildes aos mais sofisticados, a erva verde começava a despontar por entre as grandes manchas brancas de neve e as copas das árvores apareciam envoltas numa bruma que pressagiava a pronta chegada da Primavera e o desabrochar dos corações."

Acerca de um livro que Murasaki, a mulher de Genji, entendia que a sua enteada deveria ter lido, o príncipe respondeu: "Não vejo que utilidade pudessem ter para a instrução da menina! Aliás, seria de mau tom que uma mulher traísse as suas preferências manifestando um gosto exclusivo por uma única arte, tal como seria desagradável se fosse completamente ignorante em todos os domínios. Quanto ao carácter, conviria que fosse segura e senhora de si, sob uma aparência afável e amena..."

"Chegou o décimo primeiro mês, o mês das geadas, com a sua neve e o seu granizo; mas enquanto a neve derretia noutros lugares, ali, à sombra das artemísias e dos amores-de-hortelão que, de manhã à noite, a protegiam do sol, ela acumulava-se em camadas espessas, e no meio dessa neve que fazia pensar na Montanha Branca em Etchu, e que nem sequer era pisada por aqueles que ali passavam ao seu serviço, a Princesa definhava, apática."

Ao longo da obra são experimentados vários poemas, uma vez que, como atrás se referiu, esse era um passatempo que ocupava os elementos da corte Heian. Um exemplo:

"Se o vento tiver de seguir
Ao encontro da união
Dos vossos pensamentos
Oxalá eu já tenha decidido
Desaparecer em fumo"

Outro:

"Enquanto errava tristemente
Por ente mares e montes
Então eram para quem
As lágrimas inesgotáveis 
Cuja torrente me submergia"

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