terça-feira, 5 de julho de 2011

“Realismo documental”

E porque não é só de ficção que se faz o cinema, eis aqui mais dois exemplos.



O primeiro o de um filme antigo, de 1972, que se pretendia comprometido com Mao Tse Tung e a Revolução Cultural, mas que afinal veio a ser acusado de outra coisa: Chung Kou ou Cina, um documentário de Michelangelo Antonioni.
O italiano era um realizador assumidamente de esquerda e foi convidado pelo governo chinês da altura para filmar a nova China – seria um dos primeiros actos de abertura do país e a primeira vez que os olhos ocidentais poderiam vê-lo.
Mas Antonioni não se limitou a mostrar aquilo que os sempre presentes guias queriam que ele mostrasse e a propaganda anti filme não tardou a ser despoletada. Para se ter uma ideia, só em 2004 este filme veio a ser oficialmente mostrado na China.
Aos meus olhos, não tem nada de mais, nada que possa colocar assim tão em causa o regime chinês de então. Mostra as crianças e os seus pais operários em plena ordem, dançando e ouvindo música – de apologia a Mao –, praticando desporto, marchando, indo para o trabalho alegremente. Mas mostra também os mercados não oficiais, onde tudo se vende e tudo se compra, e mostra ainda, numa fuga autorizada mas não aceite, uns outros edifícios de casas e escolas não tão conservados e confortáveis como aqueles que a princípio seria desejável mostrar-se. Para se ter uma ideia das “desculpas” inventadas para denegrir o filme, Antonioni foi acusado de filmar os rostos e gestos das pessoas, individualmente falando, logo numa China em que o colectivo é rei. E foi acusado de filmar a moderna ponte sobre o Rio Yangtze, em Nanquim, sob um ponto de vista em que a mostrava escura e torta. Nem adiantou argumentar que o dia estava carregado de nuvens.
Enfim, Antonioni foi apanhado num momento em que a oposição interna e externa ao Partido Comunista Chinês corria solta e acabou por servir como instrumento para aqueles que queriam conservar o poder.

Outro exemplo é o do realizador chinês Jia Zhang-ke, este nosso contemporâneo. Os seus filmes não são bem documentários, mas não andam longe disso e a preocupação com o real e os problemas da actualidade marcam presença forte no seu cinema. É como que um género que pode ser designado por realismo documental.



Jia foi aclamado pelo filme Still Life, considerado um dos melhores filmes asiáticos de sempre e premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2006. O filme trata da questão – real – da construção do Three Gorges Dam, uma barragem hidroeléctrica no rio Yangtze que implicou a inundação e correspondente desaparecimento de inúmeras vilas e aldeias. Como na China é tudo em grande, tiveram que ser deslocados mais de um milhão de habitantes. No filme um individuo volta para procurar a sua ex-mulher e filha, que não vê há anos.



O outro de Jia que vi foi o Xiao Wu, o seu primeiro filme, de 1998. Gostei mais deste, não tão parado, conta a história de um ladrão de carteiras habilidoso, mas que vai perdendo a consideração dos amigos e da família. Interessante nestes filmes é a presença da música, uma constante, seja no rádio, seja na televisão, a música popular faz-se ouvir.
Outro filme muito bem recebido de Jia é o The World. Mas quanto a este, ainda tenho de ganhar coragem para me dedicar às duas mais de 2 horas.

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