sábado, 16 de fevereiro de 2013

História da Coreia

A designação de "terra da manhã calma" refere-se à Coreia tendo em conta a sua posição geográfica em relação à China. As relações com a China não se ficam só por epítetos que lhe possam servir. No entanto, e para o que interessa, não há duvidas de que a Coreia possui cerca de 2000 anos de história de homogeneidade e unidade política, fazendo dela um dos mais antigos estados continuamente unificados do mundo. Uma única etnicidade, uma linguagem comum e participação em um sistema político. Houve também isolamento ao longo da sua história, vindo a ser conhecida como "o reino eremita". Mas esse isolamento terminou à força com a idade do imperialismo donde resultou a trágica separação entre o norte e o sul às mãos de um acordo entre americanos e Soviéticos criando uma linha arbitrária sob o paralelo 38.
É curioso observar que esta nação que conseguiu sobreviver encravada entre vizinhos poderosos, primeiro a China e depois o Japão e a União Soviética, pretendeu sempre a sua unidade, e foi preciso virem os estrangeiros, primeiro japoneses e depois americanos, com as suas ideias de separação.

Viveram desde sempre do arroz (mais propício o seu cultivo no sul do que no norte), da comida do mar e do mar em si. Mas os mares nem sempre foram amigos da navegação.
Da China os coreanos receberam o sistema de escrita (tendo, entretanto, no século XV criado o seu alfabeto próprio - e único). E a China serviu também de modelo para a literatura, arte, música, arquitectura, vestes e etiqueta. E dai importaram a maior parte das suas ideias acerca de governo e política. Apesar desta adesão às normas culturais chinesas ter sido feita sempre com orgulho, os coreanos eram fervorosamente independentes e muita da sua história é de resistência face a intrusos. A sua posição como estado tributário da China era cerimonial e para os coreanos não implicava perda de autonomia.

O budismo vindo da China e da Ásia Central teve profundo impacto na arte coreana e foi da península que seguiu para o Japão. Também o confucionismo vindo da China haveria de produzir uma forte influência nos padrões morais e éticos que guiariam os coreanos através dos séculos, tendo sido até em muitos momentos da sua história mais levado a sério do que na terra de origem. Foi precisamente a preocupação confucionista de examinar o passado que contribuiu para o forte sentido de consciência histórica entre os coreanos, os quais viveram sob o domínio de apenas três dinastias sem que as mudanças entre elas trouxesse grande agitação e tendo as famílias de elite e as instituições passado de uma dinastia para a outra sem crise de maior.


Posto isto, as origens coreanas estarão em ancestrais que terão entrado pela Manchúria e Nordeste da Ásia. Há vestígios de presença humana na Coreia desde pelo menos o Paleolítico. A agricultura possibilitou a existência de densas populações e a sua sedentarização, deixando de ser apenas caçadores, pescadores e colectores. Os mitos e as lendas são importantes fontes históricas para se conhecer os primeiros estados coreanos. O primeiro deles terá levado o nome de Choson, mas talvez tinha sido mais uma federação tribal do que um estado.

Entre o século IV e 676 viveu-se o Período dos Três Reinos - Koguryo, Paekche e Silla. A unificação da maior parte da península aconteceria com a ascensão e domínio de Silla em 676, num período da história coreana que ficaria conhecido como "Silla Tardio". Esta unificação por Silla ocorreu tendo por base alguns factores, como sejam a sua melhor posição geográfica, a sul, a sua considerável prosperidade e base económica de excedentes que permitiam suportar grandes ofensivas militares e um estado estável e um governo efectivo que poderiam com sucesso levar a uma expansão do país. E, com isto, uma sociedade coreana homogénea emergiu. Silla durou até 935 e pode resumir-se estes anos no seguinte: século VIII de brilhantismo cultural, século IX de declínio, século X de queda. Criou-se um estado centralizado, missão difícil dada a sociedade ser dominada pelas poderosas famílias aristocráticas. Silla seguiu o modelo Tang chinês, mas com diferenças, nomeadamente no que respeitava à influência da dita aristocracia e à adesão aos laços budistas, enquanto que os Tang possuíam um sentimento anti-budista e o seu governo era dominado pelos oficiais civis. Mas o confucionismo era também usado pelos reis, nomeadamente nos seus ensinamentos de piedade filial, lealdade para com o rei, respeito pela autoridade e utilidade para o estado. O governo central viria a tornar-se fraco e os senhores da guerra locais emergiram. Também os contactos com a China e com o Japão tinham diminuído, afectando a Coreia na sua posição de intermediária no comércio entre as duas potências. Ainda ameaças dos Khitans, povo nómada a norte e a fragmentação da autoridade e quebra na ordem contribuíram para a emergência de uma nova dinastia - os Koryo, que reinariam entre 935 e 1392.


Os Koryo reunificaram rapidamente a península, facto que encontra explicação na herança deixada por Silla de mais de dois séculos de governo unificado e burocrático que acabou por ser aceite como norma. Ou seja, o senso de estabilidade e continuidade na história coreana foi inaugurado com esta primeira passagem de poder entre dinastias. Houve uma reformulação do anterior estado, mas não um corte radical. Continuou-se com a adesão ao modelo de governo Tang e foi introduzido o sistema de exames civis como forma de recrutar oficiais para a burocracia, experiência esta que tinha sido vivida de forma curta em Silla. Como marca de civilização temos uma maior importância dada à educação, com o consequente aumento da literacia, ainda que esta estivesse longe de ser generalizada para as mulheres e os camponeses. O sentimento anti-budista foi crescendo, embora o budismo Son, ou meditativo, tivesse obtido grande força. Houve uma tradição rica em escrita histórica neste período Koryo, correspondente com a visão da história como guia para um governo correcto e uma boa conduta pessoal, no fundo, aprender com o passado e suas lições morais e éticas. Desta época são, pois, o Samguk Sagi e o Samguk Yusa. A esta preocupação pela história não é alheio o crescimento que o confucionismo foi obtendo. Os Koryo sofreram igualmente invasões de nómadas do norte, mas foram as invasões mongóis que viriam a ditar o seu fim. Apesar da resiliência coreana e coragem a ela associada, os coreanos deste período foram contemporâneos dos mongóis que tomaram também a China e aí instituíram a dinastia Yuan. Aos coreanos, como vassalos dos Yuan, não lhes restou mais do que resistir bravamente, mas ao mesmo tempo tornaram-se membros de uma das sociedades mais cosmopolitas do mundo, com oportunidades para viajar e residir em Pequim e desenvolvimento social que lhe estava associado, bem como oportunidade para contactar e conhecer pessoas e ideias vindas de todo o lado da Euro-Ásia (não esquecer que o império mongol chegou às portas da Europa). Com a queda dos Yuan e ascensão da dinastia Ming na China, também uma nova dinastia viria a emergir na Coreia, a Choson, nome do primeiro reino coreano.


Os Choson, que reinaram de 1392 a 1910, mais do que uma mudança de dinastia pretendiam levar a cabo uma tentativa de longo tempo para criar uma sociedade em conformidade com os valores e crenças confucionistas. Os coreanos eram mais confucionistas do que os chineses, terra de sua origem. Yi, o rei, baseou a sua nova dinastia no conceito de mandato do céu, até como forma de se legitimar, governando segundo o ideal confucionista de que o rei governa no interesse do bem estar do seu povo. O budismo declinou, embora as suas práticas fossem a maioria fora da corte. O estatuto da mulher também entrou em declínio nesta sociedade confucionista em que a mulher primeiro deve obediência ao seu pai, depois ao seu marido e quando viúva aos seus filhos. O poder do homem aumentou e a sociedades tornou-se patriarcal. Foi durante esta dinastia que em 1446 foi criado um alfabeto indígena, o Han'gul, com uma escrita simplificada e mais acessível ao povo, motivo de orgulho nacional para os coreanos enquanto importante componente da sua identidade cultural.
Em 1597 chega à Coreia o primeiro europeu, um padre jesuíta, acompanhado dos invasores japoneses. Começam, então, os problemas com novas invasões, primeiro as japonesas e, quando mal haviam ainda recuperado, as manchus. A todas elas os coreanos voltaram a resistir, tendo mesmo vencido os japoneses com o recurso aos seus históricos barcos tartaruga.


Ultrapassadas estas invasões, e com os manchus a criarem uma nova dinastia na China, a Qing, os coreanos passaram a ver estes como usurpadores e bárbaros. Pelo contrário, viam-se a si como o último verdadeiro bastião de civilização e com um senso de superioridade cultural, mesmo que reconhecessem ser o seu país mais fraco militarmente.
Era um período de paz, estabilidade e prosperidade. Mas havia uma discrepância entre os ideais confucionistas e a realidade à sua volta. Havia problemas de pobreza e injustiça social. Não existia uma classe comercial vigorosa e demorou a desenvolver-se uma economia monetária. Por outro lado, a política de isolamento desencorajava a navegação e a construção naval, o que contribuiu para a falta de comércio, para além da mentalidade confucionista dominante entender que o comércio e os negócios desviavam o povo do trabalho produtivo da terra. Também a geografia contribuiu para esta falta de comércio, dada a inexistência de grandes rios a ligar as regiões e ao facto de a costa ocidental possuir altas marés e bancos de areia tornando a navegação difícil. A costa leste, por seu lado, tinha poucos portos e estava longe dos centros populacionais. O terreno montanhoso fazia com que o transporte dos bens fosse caro.


Cresceu o número dos críticos sociais e políticos clamando por reformas. A era do imperialismo haveria de começar e a Coreia não mais poderia manter-se isolada. Pressionada pelos europeus, tendo assistido à derrota da China nas guerras do ópio do século XIX, haveria ainda de sofrer uma luta pelo seu domínio entre soviéticos e japoneses. Estes últimos ganharam e viriam a tornar a Coreia num seu protectorado e, por fim, a anexá-la e integrá-la no seu império. Esta colonização da Coreia por parte dos japoneses levou à sua modernização, designadamente na construção de caminhos de ferro, electrificação, construção de edifícios de estilo ocidental. A agricultura era orientada para a produção de produtos para exportação para o mercado japonês. Houve uma maior industrialização e foram abertas novas minas. De 1910 a 1945 a Coreia era de facto uma colónia do Japão e mais perto do fim contribuía intensamente para o esforço de guerra japonês, acompanhando as suas tendências expansionistas. Observaram-se deslocações massivas dos coreanos para os palcos de guerra e tristemente ficaram conhecidas as "mulheres de conforto". Os coreanos não assistiam impassíveis a este jugo e manifestações ocorriam, designadamente de estudantes e mulheres. Os japoneses deixaram muitas infra-estruturas para uma sociedade moderna industrializada capaz de competir com sucesso no palco mundial, mas deixaram sobretudo um sentimento de profunda humilhação, indignação e a emergência de um sentimento nacionalista coreano.

Assim, quando em 15 de Agosto de 1945 o imperador do Japão capitula inesperadamente, os coreanos celebraram. Por pouco tempo, pois veriam logo de seguida o seu país ser dividido sob o paralelo 38 entre o norte e o sul por decisão apressada e improvisada dos americanos e soviéticos.

Depois da divisão veio a guerra entre as duas Coreias entre 1950-53, sem que tivesse havido um vencedor, mas antes dois derrotados. Seguiu-se uma reorganização de dois estados independentes, criando-se estratégias (pouco pensadas) e alianças. O norte ficou com o bloco comunista e o sul com os americanos. A guerra fria entrava em acção. A norte estavam as indústrias, a sul as melhores terras agrícolas.

O norte começou por se recuperar mais cedo, o sul sofreu a bom sofrer, sem um líder inequívoco como o camarada Kim, mas com o apoio, leiam-se dólares, americano e também crédito japonês. O facto é que o norte sofreu com o fim da União Soviética em 1991, com a consequente perda do seu principal patrono económico e militar. Para além disso, também nos anos 90 a deflorestação e as cheias deram cabo das suas colheitas e fomes horríveis dizimaram a sua população. A sua ideologia terá pouco a ver com o comunismo (que me desculpe o Bernardino), é antes um regime nacional militarista. O juche é a sua ideologia, algo como seguir as coisas à sua maneira.

Já o sul, que tardava a endireitar-se, assistiu - ele e o mundo - a um milagre nos anos 80. Inesquecível Rosa Mota a cortar a meta da maratona em primeiro lugar. E inesquecível também o trabalho que os sul coreanos tiveram em transformar um estado autoritário numa genuína democracia. Esta transição deu-se apenas em 1987, ano em que os militares saíram definitivamente do poder, mas até aqui já dois factores estavam em marcha e haviam contribuído de forma decisiva para o milagre económico. Um primeiro o investimento massivo em educação (hoje a Coreia do Sul é um dos países com maior número de licenciados, a rondar os 80 e tal %). Outro a transformação de conglomerados familiares conhecidos como chaebols nos anos 70. Um conjunto de talentosos empreendedores viu mais longe que o futuro estava em transformar indústrias como a Hyundai da construção naval para a área automóvel ou a Samsung do processamento de comida para a área da electrónica.

A rivalidade entre as duas Coreias é intensa. Aos nossos olhos ocidentais sabemos qual delas está melhor preparada para as exigências que o mundo moderno nos coloca. Todavia, a grande tragédia da história coreana foi a sua divisão por decisão estrangeira. Os coreanos continuam a pensar-se a si próprios como um só povo e a divisão é encarada como não sendo natural e a unificação como sendo inevitável, ainda que o seu exacto momento futuro seja incerto.

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