sábado, 23 de fevereiro de 2013

Índia Antiga e Medieval

Da história da Índia, mais especificamente do seu sub-continente enquanto espaço a que hoje correspondem três estados independentes, Índia, Paquistão e Bangladesh, existem registos encontrados há apenas 100 anos que nos transportam para uma ocupação cerca do ano 3000 a.C. A civilização do Vale do Indo, ou civilização Harappa, por ocupar uma região mais extensa do que a do vale do rio Indo, possuía já uma cultura urbana e mercantilista, sustentada no comércio de produtos agrícolas. As cidades encontradas, da qual o melhor exemplo que chegou aos dias de hoje será Moehenjo-daro, possuem uma coerência entre si, coerência essa que se mantém numa vasta área, que se crê ser mais extensa do que as civilizações do Egipto e Suméria. Acredita-se ainda que estas cidades tenham sido das primeiras do mundo a ser planeadas. No entanto, o facto de ainda não ter sido possível decifrar a sua escrita, um mistério, faz com que o conhecimento acerca desta civilização não seja ainda completo. A sua queda ter-se-á ficado a dever não só a alterações climatéricas (grandes cheias que trouxeram grandes inundações), mas também à negligência e interferência humana que fizeram alterar as condições agrícolas no vale do Indo, como a excessiva deflorestação e a manutenção inadequada de barragens e canais de irrigação.

 
E, também, a invasões de povos nómadas que ocorreram no segundo milénio. Falo, principalmente, dos arianos. Há quem defenda que estes se tenham cruzado no tempo e no espaço com os Harappas. De todo o modo, seriam os povos árias, vindos da Ásia Central através de várias ondas de imigração (e que então se decidiram espalhar um pouco por todo o continente euro-asiático), que entre 1700 a 900 a.C. impuseram os seus valores. Trouxeram consigo a sua língua, bens, cavalos e rebanhos até subjugarem os povos autóctones da Índia, os dasas. E espalharam a sua cultura superior ao vale do Ganges e depois península adentro, conferindo uma integridade cultural sem precedentes e um alto grau de civilização. Acreditando nos poderes divinos das forças da natureza,  com as suas divindades como Agni, Indra e Varuna (equivalentes aos deuses gregos e romanos), possuíam um estatuto ritual elaborado, pleno de sacrifícios (como o Ashvameda, o ritual / sacrifício do cavalo), o qual haveria de contribuir para uma estratificação hierárquica da sociedade conhecida como castas.


 
Depois veio a época das grandes epopeias, como o Mahabharata e o Ramayana, descrevendo os mitos e uma série de eventos numa sociedade que era baseada em clãs. Tratam de temas como a ida para o exílio e os conflitos entre os clãs. O Ramayana, em particular, entra pelo sul da Índia, o que é uma evidência da contínua expansão da arianização durante o primeiro milénio a.C.

Ao lado dos épicos, os Vedas também celebravam as façanhas dos bem nascidos como os cxatrias, a classe guerreira. De uma hierarquia estratificada, onde cada casta era teoricamente imutável e exclusiva, numa obsessão de linhagem da sociedade de clãs que implicavam barreiras aos casamentos entre castas, irá passar-se de um conceito de varna (cor, mas não enquanto cor de pele, mas antes um indicar de posse económica, enquanto papel a desempenhar por cada um na sociedade) para um conceito de jati (nascimento), uma rigidez que observamos ainda hoje em muitos locais da Índia hindu.


A Índia havia já observado o nascimento de duas religiões que se oporiam a este sistema hierárquico de castas, como o jainismo e o budismo, quando os Mauryas tomam o poder por volta de 320 a 200 a.C. Este império era desconhecido da história indiana até há pouco tempo. Todavia, fontes gregas, como as do embaixador Megasthenes, e textos budistas e jainistas faziam referência a um certo império. Mais importantes como fontes históricas deste período são as inscrições em rocha e em pilares, conhecidas como os éditos de Ashoka. Este rapidamente se tornou um símbolo da Índia e o seu mais amado governante, mas não foi Ashoka quem criou o império Maurya, mas antes um seu antepassado, Chandragupta de seu nome, o qual terá aproveitado o vacum de poder deixado por Alexandre o Grande. Foi Chandragupta a vir com a ideia de império, talvez não tanto como ideia de unir a Índia, mas mais com o objectivo de engrossar o comércio marítimo lucrativo, tendo os seus descendentes sucessivamente alargado o seu território, de tal forma que chegou a estender-se de mar a mar, do Golfo de Bengala ao Mar Arábico. Mas esta dinastia entra para a história com Ashoka, e não propriamente por uma sua conquista, mas antes pelo remorso que demonstrou perante a campanha bem sucedida militarmente no Kalinga. Este seria um ponto de viragem na sua vida e a sua reacção perante tanto sofrimento, morte, destruição e deportação do povo levou-o a adoptar as doutrinas pacifistas do budismo, renunciando à violência e à guerra e advogando o conceito de dhamma, precisamente a não violência, preservação da vida e conduta certa. A sua campanha pelo Kalinga e posteriores ensinamentos morais baseados na sua experiência viria a ser gravada no mais importante édito que se conhece, considerado mesmo um dos primeiros monumentos da história indiana, apenas encontrado em 1837. Nehru haveria mesmo de escolher para emblema nacional da Índia já independente um dos capitéis de um destes pilares, aquele dos leões.

A ideologia do dhamma morreria com a morte de Ashoka.

Até ao advento dos Gupta, entre 300 e 500 da nossa era, a história da Índia entrou na obscuridade. Apesar de existirem mais fontes sobre este período, como moedas, vestígios arqueológicos e inscrições, para além das fontes literárias, estas são algo contraditórias. Todavia, a importância do comércio é evidente. Mas também um longo período de confusão política, com instabilidade, fragmentação e turbulência. Muitas das dinastias deste período são de origem não indiana e esta foi uma época de invasões, sobretudo vindas da fronteira noroeste. No entanto, não obstante esta época negra politicamente, em termos culturais esta parece ter sido de iluminação e expansão. A diáspora da cultura indiana teve o seu inicio ao mesmo tempo que a Índia estava a ser palco de uma sucessão de intrusos, não impedindo o seu dinamismo comercial e cultural. A vida social, financeira e até política era exercida pelas organizações das guildas (as sreni) e estas eram grandes patronos das instituições budistas, tendo o budismo identificado-se com o comércio e a manufactura. De facto, não só a doutrina budista encorajava o investimento em recursos que de outra forma seriam gastos em sacrifícios, como também negava os tabus de casta acerca da comida e das viagens. Era, assim, natural que os comerciantes se sentissem mais próximos das suas doutrinas.


Os Gupta ascenderam ao poder entre 300 e 500 e esta ficou conhecida como a época dourada da cultura indiana, com uma crescente criatividade. Ao contrário dos Maurya, budistas, os Gupta eram hindus, e com eles observou-se a um renascimento bramânico e a nova emergência do sânscrito. Havia estabilidade, o comércio internacional florescia e a tolerância religiosa era real, como pôde aliás constatar o monge budista chinês Faxian na sua viagem até à Índia por esta altura. Também os Gupta usaram de inscrições e numa delas declarava-se "a perfeição foi alcançada". A paz e a ordem reinavam e as guildas continuavam influentes. No que à literatura diz respeito, Kalidasa, o dramaturgo sânscrito comparado com Shakespeare, terá vivido por esta época. Para além das artes como pintura e escultura, também as ciências eram fortes, como a astronomia, a medicina e a matemática.

Foram-se os Gupta e a fragmentação e regionalização voltaram. Houve incursões Hunas, Harsha foi efémero graças aos desafectos bramânes, mas graças também ao escritor Bana a sua fama chegou aos nossos dias.

Isto no que ao norte e coração gangético diz respeito.

A sul, embora mais tardiamente do que a norte talvez uns 3 séculos, começou igualmente a assistir-se à passagem de uma liderança de clãs para uma de monarquias. Nomes como os Chalukyas, Pallavas, Cheras, Pandya e Cholas andaram por aqui, uns com mais força e persistência do que outros. De realçar os contactos que estes mantinham com o sudeste asiático.

Até que a partir de cerca de 700 o domínio árabe começa a entrar sub-continente indiano adentro, numa série de conquistas fenomenais que atingiram também a Europa e a África. Os primeiros muçulmanos a chegarem à Índia eram mercadores árabes recentemente convertidos que comerciavam no Mar Arábico para a Costa Ocidental da Índia. Em meados do século VII havia já comunidades com algum número de muçulmanos nos portos da costa ocidental. E também e originalmente no Sind. Desconhece-se, porém, se pretendiam usar o Sind como uma plataforma para uma invasão da Índia. Igualmente, não  há evidência se os indianos possuíam consciência da ameaça que eles representavam. A sua intenção de impor uma ortodoxia monoteísta por conquista militar e domínio político era tão estranha à tradição indiana que estes não a terão compreendido. Assim, a complacência contribuiu para a indiferença, até porque os hindus estavam convencidos de que não havia país como o deles, nação como a deles, religião como a deles, ciência como a deles. Pelo seu lado, os invasores muçulmanos, ao contrário de Alexandre, estavam conscientes da imensidão da Índia e excitados pelos seus recursos e produtos exóticos e reconheciam a sua economia como uma das mais sofisticadas do mundo.

Não obstante, o colapso económico, a opressão social, a discriminação de casta e a fragmentação política abriu as portas ao islão que prometia justiça social, igualdade dos indivíduos e governo firme.

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